segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Código de Conduta para Atividades Espaciais

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Por que apoiar o código europeu de conduta no espaço?

José Monserrat Filho

A União Européia lançou um projeto de Código de Conduta para Atividades Espaciais e convidou os países envolvidos com programas espaciais, inclusive o Brasil, para debatê-lo. A meta declarada é fortalecer a segurança dessas atividades contra atos de guerra e dejetos espaciais.

De fato, há em curso hoje nova corrida armamentista no espaço, provocada sobretudo pela decisão norte-americana de instalar armas em órbitas da Terra. Se isso ocorrer, o espaço se tornará teatro de guerra, como já são, há muito tempo, a terra, os mares e o espaço aéreo. Até hoje não houve por lá nenhuma ação bélica. Mas poderá haver, se a colocação de armas for admitida.

O mais provável é que um conflito espacial, uma vez iniciado, seja incontrolável. E cause um “apagão” na Terra, destruindo ou danificando satélites que nos prestam serviços essenciais de comunicação, previsão do tempo e estudos climáticos, observação das riquezas naturais, monitoramento das florestas, dos mares e dos recursos hídricos, e por aí vai.

Não por acaso, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 2 de dezembro, uma resolução que propõe medidas de transparência e fomento à confiança nas atividades espaciais para impedir que o pior aconteça. Nada menos de 180 países apoiaram a resolução que, embora não obrigatória, revela a clara preferência do mundo. Só os Estados Unidos votaram contra. Israel se absteve. A posição norte-americana, diga-se de passagem, é coerente com a que tem sido exposta na Conferência sobre Desarmamento, onde não dá chance à discussão do projeto apresentado pela Rússia e China, em fevereiro deste ano, para vetar a instalação de armas no espaço, bem como o uso e ameaça de uso da força contra objetos espaciais.

Há, portanto, um perigo à vista. Que se agrava ante a notícia de que os programas espaciais governamentais despenderam em 2008 mais de 62 bilhões de dólares, cifra que poderá chegar a 70 bilhões em 2012, apesar da crise. Espera-se, também, o aumento de 8% no lançamento de satélites nos próximos dez anos em relação à última década. É o que a Euroconsult, conceituada empresa de pesquisas sobre o mercado espacial, anunciou em 19 de dezembro. Assim, cuidar da segurança espacial significa garantir altos negócios, algo que a política espacial do agora quase ex-presidente Bush subestimou ao extremo nos últimos oito anos.

O código proposto pela Europa poderia ter vindo mais cedo, mas ainda chega em boa hora. Ele não se opõe abertamente à instalação de armas no espaço, como seria o ideal, pois tenta-se garantir o apoio dos Estados Unidos. Mas, em compensação, valoriza “as iniciativas dirigidas a promover a segurança, as garantias e a paz no espaço exterior, por meio da cooperação internacional” e reitera “o compromisso de solucionar por meios pacíficos qualquer conflito em torno de ações espaciais”.

Além disso, defende o livre acesso ao espaço para fins pacíficos; o total respeito à segurança e à integridade dos objetos espaciais em órbita; a responsabilidade dos países de promover a exploração pacífica do espaço, e de adotar “todas as medidas adequadas para impedir que o espaço torne-se área de conflito”; e o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, segundo a Carta das Nações Unidas (Art. 51), o que proíbe os ataques preventivos.

Tais princípios se chocam com a “Política Nacional Espacial” do governo Bush, de 31 de agosto de 2006, sobretudo quando ela reza que “os Estados Unidos preservarão seus direitos, capacidades e liberdade de ação no espaço; de dissuadir ou deter outros voltados a impedir estes direitos ou desenvolver capacidades dirigidas a alcançar este objetivo; de adotar as ações necessárias para proteger suas capacidades espaciais; de responder a interferências; e de negar, se necessário, aos adversários o uso de capacidades espaciais hostis aos interesses nacionais dos Estados Unidos”.

Esta política veio reforçar a conduta unilateral do governo Bush, que se atribuiu o direito de definir por si próprio contra quem e como agir no espaço. O código, por sua vez, visa fortalecer um estado de direito no espaço, centrado em atividades pacíficas – admitindo ações militares, desde que defensivas, não guerreiras – com normas e critérios a serem respeitadas igualmente por todos os países. Isto é difícil de executar na prática, mas é imprescindível. A expectativa, com certeza, é de que o novo presidente dos EUA, Barack Obama, mude a conduta do país inclusive nesta área.

Creio que o Brasil deve apoiar o código, sob a condição de que ele passe a reconhecer também, não só os Princípios do Sensoriamento Remoto – inexplicavelmente omitido –, como o Acordo da Lua, de 1979, um dos cinco grandes tratados da ONU considerados a base da legislação espacial em vigor. Os Estados Unidos têm todo o direito de não assinar e até de criticar o Acordo da Lua. Mas não se pode negar que se trata de um instrumento em vigor, que tem sua vigência reconhecida pela ONU. Afinal, a Assembléia Geral da ONU, ao apelar aos países para firmarem e ratificarem os acordos em vigor que regulam o espaço e as atividades ali exercidas, faz questão de citar o Acordo da Lua.

Este texto, aliás, ainda que firmado por quatro países e ratificado por 13 países – um apoio realmente pouco significativo –, configura a única experiência da ONU sobre como ordenar a exploração e uso das riquezas lunares, e será muito útil na hora, cada vez mais próxima, de enfrentar a tarefa de organizar a volta da humanidade à Lua, desta vez para ficar.

Outra questão polêmica no código é que não está previsto o seu exame pelo Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço (Copuos) e pelo Subcomitê Jurídico. É difícil imaginar que se possa assinar um documento de tanta relevância que não reforçe nem prestigie de algum modo o papel do Copuos na formação e preservação da legalidade espacial.

Criado em 1959 e responsável por todos os tratados e declarações criados até hoje para reger a era espacial, o Copuos não pode nem merece ser marginalizado, sob pena de cometermos uma injustiça histórica e debilitarmos uma instituição multilateral fundamental como a ONU, em temas vitais para a consolidação da paz, da segurança e da democracia no mundo.

Seja como for, o projeto europeu cria excelente oportunidade para se abordar de modo amplo e profundo o que os franceses estão chamando, com muita perspicácia, de sustentabilidade das atividades espaciais. É isto, precisamente, o que está em jogo: como manter o céu limpo e seguro por um período de tempo a perder de vista, sem ameaças e atropelos, e com as maiores garantias possíveis, para que o espaço possa prestar a todos os povos da Terra os incontáveis e indispensáveis benefícios que só ele é capaz de oferecer?

José Monserrat Filho é Professor de Direito Espacial, diretor do Instituto Internacional de Direito Espacial e, atualmente, Chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Fonte: JC E-mail
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Um comentário:

phobus disse...

Soberania das nações:O que diferencia um Pais do outro,são seus governantes soberanos que, apesar das imperfeições, buscam alternativas para suas Nações.O que é reprovavel é um Pais se auto nomear guardião do mundo, da democracia e moralidade, promovendo e financiando atrocidades e golpes visando somente preservar seus próprios interesses, mantendo arsenais nucleares e de destruição em massa e querer impedir que outros tambem os possua.eldorado2008