quinta-feira, 8 de abril de 2010

Perspectivas para o Programa Espacial Brasileiro

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Otavio Durão*

O futuro chegou para o Brasil? Sim, ao que tudo indica, ou está bem próximo. Talvez até com data marcada! O País hoje é visto como capaz de influir nas decisões mundiais que se avizinham em vários setores: economia, meio ambiente, energia, diplomacia e segurança, por exemplo. Isso é fruto de bons desempenhos dos últimos governantes e do potencial existente. O “dever de casa” tem sido feito! Outros ainda estão por vir, mas as perspectivas de investimentos em grandes projetos de infraestrutura e a realização de grandes eventos esportivos globais são uma demonstração desse bom desempenho nacional.

O reflexo disso já se faz sentir em alguns setores estratégicos como, por exemplo, o militar. O reaparelhamento das Forças Armadas nacionais indica essa preocupação. E como fica o setor espacial nesse novo cenário que se avizinha? O País vai realmente querer um programa espacial de maior porte que o atual? E quem tomaria a decisão? Esta, no meu entender, é a maior dificuldade: o dimen-sionamento do Programa Espacial Brasileiro para o futuro. Ou melhor, quem faria esse dimen-sionamento? Que autoridade dentro do governo efetivamente tomaria e implementaria essa decisão?

Parto do princípio que um programa espacial é estratégico para um país que pretende ser um ator importante no cenário mundial. O conjunto do desenvolvimento tecnológico, educacional, científico e de disseminação de informação que este setor fornece não tem paralelo. Isso reflete uma capacidade que fortalece a sua imagem internacionalmente. O problema é que programa espacial o país quer ter? De que montante de orçamento e para quais aplicações?

Algumas aplicações se sobressaem no cenário atual. São aquelas para o monitoramento do meio ambiente. Se ficássemos só nessas, o Brasil já teria um programa consideravelmente de maior porte do que o atual. Isso porque seriam necessários satélites de imageamento com câmeras e também com radar, para se evitar a impossibilidade de operação sob nuvens, o que é muito comum na região amazônica. O conjunto de tecnologia envolvido para o desenvolvimento desses dois tipos de satélites (câmeras, antenas, processamento, infraestrutura de solo e também para a plataforma do satélite – controle, propulsão e outros subsistemas) já constituiria um programa espacial de alta relevância. Em parte, hoje, o País já faz isso, para as aplicações com câmeras, mas, aqui trata-se de desenvolver uma rede de infraestrutura de coleta de dados de maior capacidade do que a atual. De novo, parte-se do princípio de que o desenvolvimento desses satélites é estratégico, uma vez que vai além da mera obtenção de imagens, sejam, inclusive, de outros satélites. Outros satélites, não de imageamento, mas sim com sensores para outras medidas, como monitoramento de precipitação e umidade também estão nesse tipo de aplicação. Outra opção para imageamento é para os oceanos, grande sorvedouros de CO2 e que vêm perdendo tal capacidade, o que poderá ser tema de discussões pós COP-15. Um programa com esse perfil permitirá também a inserção em redes mundiais de coleta de dados por satélites, que ficam disponibilizados aos participantes com o objetivo de monitorar os recursos naturais do planeta, sua utilização e efeitos sobre o meio ambiente e o futuro do clima. Ou seja, um programa espacial com esse objetivo, com significativo desenvolvimento de hardware e tecnologia, já seria um programa relevante. Mas é pouco!

Duas outras aplicações também se impõem: telecomunicações e meteorologia. No primeiro caso, para o fluxo de dados públicos, principalmente das Forças Armadas. Neste caso, a complexidade do desenvolvimento é bem maior do que a dos satélites para monitoramento do meio ambiente devido ao seu maior porte e ponto de operação em órbita (36 mil quilômetros contra 700 quilômetros). Atualmente esse fluxo é feito limitadamente em termos de canais no satélite e operação em solo, devido ao uso de equipamento pertencente a uma empresa do setor privado e de um grupo econômico multinacional. Obviamente o País não poderá operar seus dados estratégicos de Defesa e outros, públicos, nessas condições se quiser fortalecer sua relevância mundial.

De porte equivalente em termos de custos, complexidade e órbita são os satélites meteorológicos geoestacionários. O Brasil já possui uma meteorologia de primeiro mundo, com sua capacidade de processamento, rede de dados e pessoal capacitado. Porém, ainda enfrenta a deficiência de utilizar satélites da série GOES, da NOAA, Estados Unidos, como um de seus principais fornecedores de dados. E isso é feito por “cortesia” dos proprietários dos satélites mas, em consequência, fica sujeito às decisões operacionais da NOAA como agora, quando o satélite que servia ao País (GOES-10) está sendo realocado de sua posição orbital para atender exclusivamente ao continente norte americano e, outro satélite (GOES-12), no local de interesse nacional, só estará em operação nominal em junho do presente ano.

Isso tudo só para um programa espacial de aplicações, sem se falar em satélites científicos ou tecnológicos, também de muito interesse. E mais ainda, sem se falar de um programa de lançadores! Estimo grosseiramente, baseado em elementos parciais de hoje, que um programa espacial para o Brasil, como delineado acima, custaria cerca de duas vezes mais, por ano e nos próximos dez anos, do que o que é gasto com o setor espacial brasileiro hoje (cerca de 300 milhões de dólares por ano incluindo salários, o que é um valor bastante significativo). Caso se deseje desenvolver lançadores para também ter autonomia nesse campo, esse valor, no mínimo, seria o dobro. Talvez o País não possa arcar com todos esses montantes.

Um programa como este não se desenvolve em um ambiente como o existente, de restrições de contratação de pessoal, impedimentos burocráticos excessivos e legislação inadequada para algo considerado estratégico para o País. Naturalmente, essas condições serão modificadas caso se deseje realmente o desenvolvimento no setor espacial. Não creio ser esta a maior dificuldade. No meu entender, o grande problema está na falta de uma autoridade competente para assumir essa postura. Ao contrário do que aconteceu quando da decisão do desenvolvimento e compra de caças e de submarinos nucleares e da Estratégia Nacional de Defesa, feita pelo Ministério da Defesa e pela atual Secretaria de Assuntos Estratégicos, o setor espacial no Brasil não parece ser capaz de sensibilizar as autoridades federais para uma posição sobre um programa que tenha um caráter estratégico em termos de sua projeção geopolítica. O que está acontecendo é que setores isolados tomam suas decisões baseadas em interesses específicos. Não me parece ser possível, entretanto, continuar com esse processo desintegrado de decisão para um programa de maior porte.

* N. da R.: Otavio Durão é Ph.D. e tecnologista sênior do INPE. Este artigo é de caráter pessoal e não reflete necessariamente a posição da instituição onde seu autor trabalha.

Fonte: Tecnologia & Defesa, edição especial sobre Espaço, fevereiro de 2010.
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