domingo, 13 de novembro de 2011

"Desde o espaço", reportagem de Tecnologia & Defesa

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DESDE O ESPAÇO

O uso de satélites para a prevenção e gerenciamento de desastres naturais

André M. Mileski

Os satélites são ferramentas hoje indispensáveis para uma vasta quantidade de atividades, para praticamente todos os segmentos econômicos. Seus três principais pilares - telecomunicações, sensoriamento remoto e navegação - são elementos fundamentais para outra aplicação, bastante nobre: a prevenção e gerenciamento de desastres naturais, possibilitando muitas vezes a redução de perdas humanas e dos prejuízos causados, assim como a coordenação e gerenciamento de formas mais efetivas e organizadas em situações de crise e na reconstrução.

No caso de satélites de observação terrestre, por exemplo, seus dados podem ser utilizados para a elaboração de mapas de risco e avaliação de enchentes, de mapas com avaliação de danos, monitoramento dos estragos durante a ocorrência do desastre, e também de atividades antrópicas, quase sempre associadas ao acontecimento e à sua gravidade.

Números divulgados em setembro pela comissão chinesa para a redução de desastres naturais comprovam a importância de satélites para essa finalidade. Desde que foram lançados, em 2008, seus dois pequenos satélites de observação forneceram às agências governamentais daquele país informações sobre desastres de três a seis vezes mais rápido que antes, quando não havia o sistema, com a abrangência do monitoramento aumentando em dez vezes. Seus dados contribuíram para esforços relacionados a 70 desastres naturais, sendo 15 no exterior.

O uso de sistemas de satélites com essas finalidades não é algo novo. Vários países e organizações lançam mão da tecnologia espacial com esses propósitos havendo, inclusive, sistemas e redes específicos. Um deles, aliás, envolve um vizinho do Brasil. Em julho de 2005, a Argentina e a Itália, por meio de seus organismos espaciais, a Agenzia Spaziale Italiana (ASI), e a Comision Nacional de Actividades Espaciales (CONAE), estabeleceram um importante acordo para a realização do Sistema Ítalo-Argentino de Satélites para a Gestão de Emergências (SIASGE), considerado único no mundo, que envolverá a integração de duas constelações de satélites radares, a italiana COSMO-Sky-Med (quatro satélites), que operam em banda X, e a argentina SAOCOM (dois satélites), que utilizará a banda L.

Quando plenamente operacional, o SIASGE gerará informações sobre emergências naturais como incêndios, inundações, erupções vulcânicas ou terremotos. Os quatro satélites COSMO-Sky-Med, construídos pela Thales Alenia Space, já estão em órbita, enquanto que os dois SAOCOM estão em construção na Argentina e deverão ser lançados nos próximos anos. “O SIASGE é um projeto que envolve altíssima complexidade tecnológica e no qual a Itália investiu um bilhão de euros e a Argentina 500 milhões”, declarou há alguns anos Enrico Saggese, na época comissário extraordinário da ASI.

Outro sistema bastante conhecido é o DMC (Disaster Monitoring Constellation), liderado pelo Reino Unido e pela empresa SSTL, que completou dez anos de existência, em fevereiro deste ano. É formado por organizações e nações estrangeiras, cada qual possuindo um ou mais satélites de observação de pequeno porte, desenvolvidos e construídos pela própria SSTL. Seu objetivo é contribuir em campanhas humanitárias contra desastres naturais, como os tsunamis na Ásia (2004), o furacão Katrina, nos Estados Unidos (2005); as inundações no Reino Unido (2007); e o terremoto de Sichuan, na China (2008), dentre outros, fornecendo imagens óticas de alta resolução.

A companhia DMC International Imaging foi criada com o propósito de coordenar respostas aos desastres e distribuir as imagens e também para comercializar dados gerados pela constelação para clientes mundo afora, gerando recursos para custear as missões de caráter humanitário. Um dos clientes é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que adquire imagens da constelação para apuração dos níveis de desmatamento da região amazônica.

Os passos brasileiros

As não raras tragédias que acontecem no Brasil mostraram a necessidade de se dispor de sistemas eficientes para o seu gerenciamento. Em março de 2011, a região serrana do Estado do Rio de Janeiro foi devastada por inundações e deslizamentos de encostas causados pelas chuvas, vitimando centenas de pessoas, tragédia fundamental para a decisão do governo de criar um centro para a prevenção e monitoramento de desastres naturais.

No início de julho, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou a criação do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), que será responsável por emitir alertas e por desenvolver e implementar sistemas de observação e monitoramento.

O núcleo inteligente do CEMADEN ficará no campus do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), em Cachoeira Paulista (SP), próximo ao Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), e a expectativa é que pelos próximos quatro anos, sejam investidos R$ 250 milhões para a instalação completa do sistema de alerta, que contará com radares meteorológicos, equipamentos pluviométricos, hidrológicos e de geotecnia, entre outros.

Sobre o uso de dados de satélites, a reportagem de T&D conversou com Carlos Frederico Angelis, coordenador geral da área de operações e modelagem do CEMADEN. “Em um primeiro momento, usaremos dados do CPTEC/INPE, e também de satélites estrangeiros, disponibilizados pela NASA, NOAA e por organizações europeias”, informou Angelis. A intenção é que o CEMADEN tenha condições de produzir dados próprios, mas também agregue informações de outras fontes, como o Sistema de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (SISMADEN), do INPE.

O pesquisador também citou a série CBERS, construídos pelo Brasil em parceria com a China. Quando o primeiro satélite da segunda geração estiver em órbita, algo previsto para o final de 2012, seus dados também poderão servir aos propósitos do centro. “O CBERS também será muito importante para o CEMADEN, principalmente o sensor de alta resolução, para ações de prevenção e no pós-desastre”, afirmou.

Em médio prazo, o CEMADEN deverá contar com dados fornecidos pela rede GPM (Global Precipitation Measure), liderada pela estadunidense NASA e a JAXA, a agência espacial japonesa. O Brasil participará do projeto com a construção de um satélite que integrará a rede, a ser desenvolvido pelo INPE, em parceria com os Estados Unidos ou com a França. Com o GPM, o CEMADEN terá acesso a dados sobre precipitações praticamente em tempo real, com medidas de chuvas a cada três horas, facilitando previsões de deslizamentos, ocasionados pelo acúmulo de água no solo.

Imagens e serviços

A preocupação brasileira em dispor de um sistema para gerenciamento de desastres deve também abrir oportunidades para fornecedores privados de imagens e serviços de satélites. Já estabelecidas localmente, a Telespazio Brasil, controlada pelo grupo italiano Finmeccanica, e a Astrium GEO-Information Services, do conglomerado EADS, estão atentas às necessidades e se propõem a colaborar com o governo para o desenvolvimento e operação do CEMADEN, fornecendo serviços e produtos baseados em imagens de satélites, comunicações de dados, e também softwares e outros sistemas.

“Enxergamos muitas oportunidades para o fornecimento de nossos produtos e serviços para auxiliar as autoridades nesse tipo de gerenciamento”, afirmou Pierre Duquesne, diretor da Astrium GEO-Information Services no Brasil.

No portfólio da empresa, encontram-se produtos que fornecem modelos de elevação digital, por meio do qual é possível realizar uma cartografia de áreas de risco, no intuito de prever riscos geofísicos e meteorológicos, e softwares que facilitam o acesso aos dados gerados. Recentemente, a empresa lançou no País os produtos da série GEO Elevation, que podem ser usados para mapeamentos de deslizamentos de encostas, áreas de inundação, análises de terreno e visualização em 3D, dentre outras aplicações.

Duquesne também aponta a importância de se gerar cartografias emergenciais de áreas afetadas por um desastre. “Uma vez ocorrida a catástrofe, também é importante ter flexibilidade para a geração de uma cartografia emergencial de determinada área para que as autoridades de segurança pública possam ter um mapa de como a região ficou após aquele fenômeno, sabendo por exemplo quais rotas foram obstruídas. Para isso, conseguimos programar nossos satélites para obter imagens constantes das áreas afetadas”, disse.

Na Europa, a Astrium GEO-Information Services lidera o projeto SAFER, que reúne dezenas de entidades públicas de proteção civil, além de um consórcio de empresas privadas. O SAFER tem por objetivo implementar ações pré-operacionais à ocorrência de uma catástrofe, fornecendo imagens geradas por satélites, como os da série Spot, o Formosat, e os radares TerraSAR-X e TANDEM-X. O sistema foi usado em alguns desastres recentes, não apenas na Europa, como num grande incêndio florestal em Israel (dezembro de 2010), no vazamento de lama tóxica na Hungria (outubro de 2010), e nas enchentes no Paquistão (julho e agosto de 2010).

Já a Telespazio Brasil, subsidiária local da maior empresa de serviços de satélites da Europa, tem promovido no País a constelação de satélites radares COSMO Sky-Med, que tem atraído significativo interesse de autoridades e empresas nacionais. No gerenciamento de desastres, a vantagem dos satélites radares é a sua capacidade de imagear a superfície mesmo com a cobertura de nuvens, muito comuns em regiões afetadas em determinadas catástrofes, como inundações e deslizamentos.

“As imagens oriundas da constelação de satélites COSMO Sky-Med poderão ser componentes fundamentais ao SISMADEN, uma vez que é o único sistema satelital de observação da Terra capaz de garantir a coleta de imagens diariamente em alta resolução, sob qualquer condição atmosférica. É importante destacar que através das imagens COSMO Sky-Med será possível mapear as áreas afetadas, como inundações e deslizamentos durante o evento das chuvas, o que permitiria ao SISMADEN uma maior agilidade no alerta e suporte na evacuação da população em áreas sob risco”, disse Marzio Laurenti, presidente da Telespazio Brasil.

Em situações de crise, tempo é sempre um ponto chave, e no caso do COSMO Sky-Med, após a coleta das imagens, estas podem estar disponíveis ao usuário final em até 30 minutos, dependendo do caso. Exemplo do tempo de resposta da constelação italiana aconteceu no acidente com o A330, da Air France, na madrugada de 31 de maio a 1º de junho de 2009. Por volta das 13h00 de 1º de junho, a Força Aérea Brasileira solicitou o suporte do sistema COSMO Sky-Med nos esforços de busca. No dia seguinte, às 03h15, cinco imagens com 30 metros de resolução e 100 km X 100 km da área solicitada foram adquiridas, tendo sido disponibilizadas às autoridades às 05h20 do mesmo dia.

Além de imagens de satélite, a Telespazio também tem promovido a solução INAV, que integra tecnologia satelital de sensoriamento remoto, telecomunicações e navegação, e permite o gerenciamento de forma muito mais avançada de uma equipe deslocada numa área atingida por uma crise, como uma inundação ou um terremoto.

A equipe em campo é dotada de dispositivos móveis conectados via satélite e rede celular. Mesmo em momentos críticos os socorristas serão capazes de trocar informações com o centro de operações, incluindo imagens e fotos da área afetada. Por meio do INAV, a posição em campo de cada membro é conhecida a qualquer momento, seja pelo centro de operações, seja por outros integrantes da equipe. O sistema permite ainda o compartilhamento dos mapas da região atingida, com a identificação dinâmica de zonas de risco, informações logísticas, e a atualização, que pode ser feita através das imagens adquiridas pelo COSMO Sky-Med.

“Com o INAV, decisões críticas podem ser tomadas baseadas em informações verídicas em tempo real. Acreditamos que esta solução é bastante útil para a Defesa Civil e quaisquer órgãos relacionados a gerenciamentos de desastres naturais ou causados pelo homem. Até o final do ano, a solução estará disponível operacionalmente no Brasil”, revelou Laurenti.

Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 126, outubro de 2011.
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