domingo, 6 de novembro de 2011

O momento da Alcântara Cyclone Space - Parte II

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Após passar por um período bastante turbulento no início do ano, com palavras e medidas consideradas duras do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Aloizio Mercadante, e do presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antonio Raupp (vejam "O momento da Alcântara Cyclone Space", de julho de 2011), além da substituição do então diretor da binacional, Roberto Amaral, a joint-venture ucraniano-brasileira Alcântara Cyclone Space (ACS) parece ter um encontrado, ao menos por enquanto, um momento de tranquilidade.

No início de julho, uma comitiva da AEB liderada por Marco Antonio Raupp esteve na Ucrânia com o propósito, segundo divulgado à época, de "auditar" o andamento do projeto pelo lado ucraniano. Após a viagem, nenhum comunicado oficial com as constatações do governo brasileiro foi divulgado. Publicamente, poucos entenderam a mudança da posição de Raupp, antes crítica ao programa binacional, e agora simpática à iniciativa. Os comentários que chegaram ao Blog Panorama Espacial vindo de pessoas familiarizadas com o tema é que, oficiosamente, a posição prevalecente entre os dirigentes seria de que o projeto já estaria bem avançado pelo lado ucraniano, o que não justificaria o seu abandono.

Outro elemento que favoreceu os ucranianos foi a decisão de Kiev em liberar recursos para a binacional (180 ou 250 milhões de dólares, dependendo da origem da informação). Em São José dos Campos (SP), há algumas semanas, o blog ouviu uma piada que sintetiza bem essa questão: "o Brasil deu um xeque, e os ucranianos vieram com o cheque."

Em sua visita ao Brasil no mês passado, Viktor Yanukovych, presidente da Ucrânia, afirmou a jornalistas de seu país que "o projeto Cyclone 4 está dentro do cronograma". "Até esta data, nós estamos de acordo com o cronograma preparado no último ano", completou. destacando ainda que os atrasos dos últimos anos foram decorrentes de questões financeiras.

Alguns observadores viram a recente indicação do brigadeiro da reserva Reginaldo dos Santos, summa cum laude no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e ex-reitor da instituição para a direção-geral da ACS como uma tentativa de aproximação do projeto com o Comando da Aeronáutica, algo que o blog ainda tem dúvidas. As opiniões do MCTI e do Comando da Aeronáutica em relação à ACS nunca convergiram. A visão pravelecente dos principais setores do Programa Espacial Brasileiro é que a binacional disputa recursos com outros projetos (satélites, lançadores) - e tem alcançado relativo sucesso, mas sem retornos palpáveis do ponto de vista de desenvolvimento e capacitação tecnológica.

Apesar das boas notícias e da relativa tranquilidade institucional, a ACS ainda terá que enfrentar questões bastante delicadas. Em setembro, num dos workshops que a Associação Aeroespacial Brasileira (AAB) tem promovido este ano sobre o Programa Espacial Brasileiro, o acordo espacial com a Ucrânia foi um dos temas discutidos. A lista abaixo, não exaustiva, relaciona alguns tópicos críticos para o projeto binacional apresentados e discutidos pelos presentes:

- Não está prevista a transferência de tecnologia; há questões de salvaguarda do MTCR [Missile Technology Control Regime];
- O plano de negócios foi feito há cerca de 10 anos; havia a previsão de lançar satélites de reposição do sistema Iridium;
- Pequena participação da indústria nacional, por enquanto;
- O Cyclone 4 está de 60 a 70% qualificado; necessário integrar o cronograma do veículo com o da infraestrutura;
- Não há ainda previsão de pessoal para operar a base; a ACS Ucrânia contava com pessoal do Comando da Aeronáutica para isto, o que parece ter sido um mal-entendido;
- O propelente para o Cyclone 4 será adquirido no mercado mundial. O primeiro fornecimento foi obtido da China;
- A ACS vai gerar muito mais recursos para a Ucrânia, em termos de fabricação do foguete. Esse desbalanceamento existe. O Brasil ganha sua viabilização como país lançador, dependente de apenas um país e não de vários;
- Existe bloqueio dos EUA aos lançamentos de satélites americanos em solo brasileiro. O Itamaraty iniciou gestões para obter essa permissão.
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