sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Entrevistas: José Raimundo Braga Coelho, presidente da AEB

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Dando continuidade a série de entrevistas do blog Panorama Espacial, hoje reproduzimos a entrevista feita com José Raimundo Braga Coelho, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) desde maio de 2012.

Maranhense e graduado em Física pela Universidade de Brasília (UnB), Coelho teve passagens por várias funções ligadas ao Programa Espacial, como no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP).

A seguir, reproduzimos os principais trechos:

Continuidade da cooperação com a China

A entrevista foi iniciada com uma pergunta sobre as perspectivas para a continuidade da cooperação com a China no âmbito espacial, que poderia envolver a construção de um satélite meteorológico geoestacionário. José Raimundo frisou que as atenções da AEB neste momento estão concentradas na missão de lançamento do CBERS 3, quarto satélite da série, prevista para 9 de dezembro.

Na volta, “será o momento oportuno para falar sobre a cooperação com a China. Nós aprovamos uma agenda de cooperação na área espacial para os próximos dez anos, e em 2014, desenvolveremos os tópicos com estudos detalhados para verificar a viabilidade”. “Não está nada definido”, afirmou, destacando que a AEB ouvirá os segmentos interessados, nomeadamente o governo, a base industrial e os usuários sobre o plano decenal.

Interação entre o PNAE e o PESE

O tópico seguinte da conversa foi sobre a interação entre o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), iniciativa do Ministério da Defesa alinhada à Estratégia Nacional de Defesa.

“Hoje há uma consciência nacional de que um programa como esse [espacial] deve ser de Estado.” Segundo o dirigente, o Ministério da Defesa tem participado com a AEB nas discussões sobre atividades espaciais, que contam ainda com o envolvimento de outros ministérios. “A iniciativa pode vir de qualquer elemento do governo, não apenas da AEB.” “O PESE é uma grande novidade; tudo nele é inovador.”

“Não temos recursos para duplicações, e qualquer iniciativa de órgãos do governo e mesmo da iniciativa privada será bem vinda.”

Rearranjo institucional do Programa Espacial

No período em que o hoje ministro Marco Antonio Raupp esteve na presidência da AEB, houve esforços significativos visando a uma reorganização institucional do Programa Espacial, com discussões inclusive envolvendo a “fusão” da AEB com o INPE, algo que acabou não se concretizando. Questionamos o presidente se a ideia permanece, no que afirmou: “Ideias não morrem facilmente, elas permanecem por muito tempo.” “Temos apoio total do ministro”. 

Coelho explicou que ao longo de 2013, foi desenvolvida uma ação fruto de outro conceito, que é a integração entre as instituições do Programa Espacial. “Quando estivermos completamente integrados, com interesses mútuos e comuns, daí pode ser o momento de implementar ideias mais arrojadas”, disse. “No Brasil, nada é fácil.”

Política industrial

Tema sempre frequente no blog, pedimos a José Raimundo que apresentasse um panorama sobre a política industrial no setor espacial. “A palavra-chave na construção do novo plano industrial chama-se poder de contrato para as indústrias, e esse poder está a cargo do governo”, destacou.

Sobre a preocupação da indústria com a falta de futuras encomendas: “Realmente, esse momento é o momento em que estamos concluindo vários projetos e precisamos retomar outras iniciativas”, reconheceu, mencionando também cargas de trabalho que devem vir de missões previstas no PNAE e PESE.

O dirigente deu ênfase à criação da Visiona Tecnologia Espacial, que deverá atuar para consolidar a base industrial, como prime contractor, empresa integradora, “conceito usado por todos os países desenvolvidos”. Citou o caso da Espacial, empresa criada no início da década de 2000 com o objetivo atuar como integradora de projetos do PEB [Nota 1]. “[A Espacial] não foi feliz porque não havia a oportunidade certa. Agora, houve a oportunidade, que é o SGDC.” “Estamos vivendo um momento excepcional.” “Por enquanto, há apenas uma encomenda, mas progressivamente haverá outras.”

Questionado sobre se a consolidação da base industrial envolveria o estímulo do governo a fusões e aquisições entre as empresas, Coelho respondeu que não, completando: “mas se for necessário, por que não?” Apontou também a necessidade de que a indústria espacial brasileira busque diversificação com outras atividades para atingir um nível de sustentabilidade, citando o caso da indústria chinesa, que em alguns casos não depende apenas das encomendas governamentais.

Sobre encomendas industriais em curto prazo, mencionou o esforço da AEB junto à Agência Nacional de Águas (ANA), ligada ao Ministério do Meio Ambiente, para a construção de satélites de coletas de dados com seus próprios recursos. “No próximo ano isso deve estar na rua fazendo contratos industriais”, revelou. Também mencionou a expectativa com o projeto SABIA-Mar, em parceria com a Argentina.

Satélite geoestacionário e tecnologias chave

José Raimundo esclareceu que, no âmbito do projeto do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), cabe à AEB as definições quanto ao pacote de transferência de tecnologia, a ser feita à indústria. “Os recursos para essa ação, de transferência de tecnologia, são da AEB.” Foi esclarecido que a transferência não é fruto de uma cláusula de compensação (offset), mas sim uma operação paralela ao contrato de aquisição.

“A transferência de tecnologia e sua absorção será feita para a indústria, e vai acontecer pela identificação de quem vai transferir e quem vai receber.” “A empresa que vai receber tem que estar preocupada com o que vai fazer com isso [a tecnologia]”. O presidente informou que tem havido frequentes discussões entre a AEB e representantes da Thales Alenia Space, que fabricará o satélite, sobre o pacote de transferência tecnológica, a ser definido de um ponto de vista técnico. “O pacote deve ser definido em 4 ou 5 meses”.

Questionamos também quais tecnologias são hoje vistas como essenciais para o desenvolvimento de capacitação nacional, e Coelho destacou algumas: propulsão, imageadores em amplo espectro, tanto óticos como microondas, sistemas de controle, sensores e equipamentos de comunicações (transpônderes).

Alcântara Cyclone Space e lançadores

O último tópico abordado na entrevista tratou das iniciativas brasileiras no segmento de lançadores. Sobre a binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), projeto em conjunto com a Ucrânia, Coelho disse que a ACS complementa o programa brasileiro de lançadores. Questionado sobre o posicionamento comercial da binacional, o dirigente mencionou que nas previsões da AEB, o Cyclone 4 e os demais lançadores do Programa Espacial (VLS e VLM) seriam capazes de atender mais de 90% da demanda do mercado de lançamentos, em especial no segmento de satélites de menor porte.

Perguntamos sobre a possibilidade de estender a capacidade do lançador ucraniano, algo eventualmente citado pela ACS. “Ampliar a capacidade ainda está no campo das ideias”, ressaltando que é importante primeiramente consolidar uma etapa. A expectativa é que o primeiro voo do Cyclone 4 a partir de Alcântara ocorra em 2015.

A capacidade do Cyclone 4 de injeção múltipla de satélites de menor porte tem atraído interesse internacional, e José Raimundo citou o caso da constelação multinacional QB50, que será formada por 50 nanossatélites [Nota 2], que poderia voar a bordo do lançador da ACS.

Para 2014, Coelho destacou a expectativa quanto à retomada do VLS-1, com o voo de um quarto protótipo com experimentos em sistemas de controle, e ainda a continuidade do desenvolvimento do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), em parceria com a agência espacial da Alemanha. Mencionou ainda que os projetos de lançadores nacionais poderão atender as missões brasileiras, não se descartando ainda a “integralização de mercado com os países vizinhos”.

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Nota 1: a Espacial S.A. foi criada em 2000 por doze empresas que já atuavam no setor espacial, especificamente no programa CBERS: Elebra, Fundação Atech, Mectron, Cenic, Compsis, Equatorial, Fibraforte, Avibras, Akaer, Neuron Eletrônica, Digicon e Aeroeletrônica. Leia aqui uma reportagem da época sobre sua criação.

Nota 2: o Brasil participa da missão multinacional QB50, de estudo da baixa atmosfera, com a construção de um nanossatélite, o 14-BISat, a cargo do Centro de Referência em Sistemas Embarcados e Aeroespaciais (CRSEA), do Instituto Federal Fluminense (IFF). Deverá também contribuir com uma rede de estações terrestres (veja a postagem "Projeto QB50 e satélite 14-BISat", de maio de 2013).
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