domingo, 11 de maio de 2014

"Cube e nano satélites - Um novo conceito para o setor espacial"

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Reproduzimos abaixo um artigo sobre cube e nano satélites escrito pelo especialista Otavio Durão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), publicado na edição n.º 136 da revista Tecnologia & Defesa (março). Leitura recomendada e didática para aqueles que desejam conhecer mais sobre os projetos brasileiros nesse campo.

Cube e nano satélites - Um novo conceito para o setor espacial

Otavio Durão (*)

Projetos espaciais, historicamente, são vistos como uma atividade para poucos. Poucos países e poucas instituições e indivíduos. Isso porque seus custos são altos, sua tecnologia complexa e seus riscos também altos. Esta noção foi corroborada no tempo da Guerra Fria que limitou mais ainda os participantes do clube espacial, porque os detentores desta tecnologia, por razões de defesa, não permitiam o acesso a ela por muitas outras nações, e porque seus custos eram cobertos pelos orçamentos militares. E orçamentos militares tendem a ser generosos quando a ameaça de conflitos existe. Com o fim daquele período, estes orçamentos tenderam à diminuição. Praticamente, todos os programas espaciais no mundo para o setor espacial tiveram sua origem nesta época e se beneficiaram dos gastos com defesa, inclusive o brasileiro, devido ao caráter dual desses programas. As empresas de desenvolvimento de satélites e lançadores foram, na sua grande maioria, também dimensionadas por aqueles investimentos, assim como suas infraestruturas e custos fixos.

Mas este tempo parece estar terminando. As verbas militares encolhem ou a se tornam mais eficientes, e empresas e governos já sentem dificuldades para manter o mesmo nível de carteiras e projetos. O setor espacial está sendo afetado por esta mudança e, claramente, busca saída de redução de custos e maior eficiência, com uma melhor relação custo/benefício dos dados gerados por seus produtos.

Em paralelo, o mundo assistiu nas últimas décadas à revolução eletrônica que atingiu dramática e favoravelmente setores como o de comunicações e computação, para citar dois dos mais visíveis. São componentes mais eficientes, menores, mais baratos e com maior capacidade a cada dia. O campo espacial viu este movimento sem nele se engajar, até aqui, como usuário, por dois motivos. Primeiro, porque havia recursos para pagar por componentes qualificados espacialmente, às vezes ordens de grandeza mais caros, e mais antigos, e também porque o desenvolvimento de um projeto demorava vários anos mantendo-se os componentes escolhidos na fase de especificação. Na presente conjuntura, empresas e governos buscam agora projetos mais baratos, menores, com o uso desses componentes e que possam assimilar/mitigar riscos associados ao meio espacial (radiação notadamente) com esta mudança. Vale dizer que, em muitos casos, não há perda de capacidade com isso, ao contrário.

Histórico

No início deste século, dois professores de Stanford e Cal Poly, nos Estados Unidos, respectivamente Bob Twiggs e Jordi Puig-Suari, “inventaram” (mas não patentearam) um padrão para o desenvolvimento de pequenos satélites. Muito pequenos realmente, e o denominaram de cubesat, devido ao formato de um cubo com 10 cm de aresta, volume de um litro e massa de um quilo. O padrão foi instituído através de um documento de Conceptual Design Specification (CDS), que teve sua 13ª revisão em 2013, ainda preliminar.

O padrão e o desenvolvimento de cubesats, inicialmente, tinha o objetivo de permitir a alunos a praticar com projetos que emulam os maiores, já que são lançados em órbita, transmitem dados a uma estação de solo e possuem vários dos sistemas de um satélite de muito maior porte, como computador de bordo, subsistemas de transmissão e recepção, de energia, controle etc. São ainda capazes de transportar uma carga útil, como uma câmera, um experimento científico ou um componente para ter seu desempenho testado. E isso, a um custo de algumas centenas de milhares de dólares.

O cubesat mais antigo em operação tem mais de 10 anos no espaço, e foi desenvolvido pela Universidade de Tóquio. Vários outros voam há mais de 5, 6 ou 7 anos. Como todos usam somente componentes eletrônicos ditos “de prateleira” (COTS – components off the shelf), ou seja industriais, sem especificação espacial ou mesmo militar, isso começa a criar o que se chama no setor de “herança” espacial (heritage). Ou seja, muitos componentes para radio e computador de bordo, antenas, e outros (exceto as células dos painéis solares que possuem qualificação espacial) já se provaram resistentes à radiação suficientemente para serem incorporados a diversos novos projetos em curso.

Na América do Sul, a Colômbia possui um cubesat em operação há cerca de cinco anos. Peru, Argentina e Equador já lançaram os seus mais de uma vez. Em novembro passado, houve um lançamento simultâneo de 32 cubesats “de carona” em um lançador russo, DNEPR, e cerca de 15 dias após, outros 28 foram lançados por um lançador Minotauro, norte-americano. Ou seja, somente naquele mês, mais de 60 cubesats foram lançados. Um recorde que dá uma ideia do que vem por aí.

O padrão 1U cubesat (cubo de 10 cm de aresta, 1 kg. de massa e 1 litro de volume) começou a ser expandido para 2U, 3U, 6U, 8U, 12U, e assim sucessivamente, simplesmente “montando-se” cubesats maiores com a unidade inicial 1U como se fosse um Lego montado a partir da mesma e preservando-se o padrão cubesat em cada U. Isso proporcionou o desenvolvimento de nano satélites com maiores capacidades operacionais e com objetivos, inclusive comerciais, e científicos. Foi expandida a possibilidade desses engenhos para além da sala de aula e do ambiente acadêmico, passando para os campos industrial e comercial. Muitos dos cubesats lançados em novembro têm essas características e dimensões.

Desenvolvimento, lançamento e operação

Um cubesat 1U segue os padrões mencionados acima e é montado como em um sistema “marmita”, com seus subsistemas colocados em paralelo na estrutura, em um padrão conhecido como PC-104. A figura 1 ilustra um cubesat 1U sem os painéis solares laterais que recobrem todo o cubo. Usualmente, as frequência de transmissão e recepção são em faixas de rádio-amadores (VHF/UHF), mas cubesats mais modernos usam banda S e outras de maior capacidade.

Da mesma forma, a interface com o lançador também é padronizada e denominada POD (Picosatellite Orbit Deployer). O documento CDS também apresenta o padrão para o POD.

Com isso, cubesats podem ser lançados por diferentes vetores por ser padrão a sua interface com eles. Vários lançadores já fizeram isso como PSLV (Índia), Minotauro (Estados Unidos), Vega (Comunidade Europeia) e DNEPR (Rússia), para citar alguns.

O lançamento de um cubesat é sempre feito “de carona”. Aproveita-se um lançamento já existente de um satélite de grande ou médio portes, e adaptam-se POD´s no último estágio do lançador, carregados de cubesats. Essas interfaces estão aumentando de tamanho e capacidade, de forma a levar satélites maiores e em maior número. As estações são, em geral, de baixo custo como todos os itens. Um cubesat 1U pode ser desenvolvido, lançado e ter sua própria estação por cerca de R$ 700 mil.

Projetos nacionais

O primeiro cubesat nacional está previsto para ser lançado em maio/junho deste ano. É o NanosatC-Br1, feito em cooperação entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). É do padrão 1U e sua missão científica é medir dados do campo magnético da Terra, com um magnetômetro, principalmente na região conhecida como Anomalia Magnética do Atlântico Sul. Dois outros experimentos tecnológicos voarão juntos, sendo os dois primeiros circuitos integrados projetados no Brasil com características de resistência à radiação, para uso espacial. O primeiro, projetado pela Santa Maria Design House, da UFSM, foi fabricado na Alemanha, pois ainda não havia possibilidade de produzi-lo localmente. O segundo, um produto do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é um software que será colocado em um componente FPGA industrial com característica de tolerância a falhas causadas por radiação. Optou-se por adquirir a plataforma do cubesat de uma empresa internacional, a holandesa ISIS, e oferecer a possibilidade de testes com cargas úteis desenvolvidas no Brasil. Esta é uma das grandes utilidades dos cubesats. Servir de plataforma de testes no espaço de novos componentes, produtos e experimentos.

As cargas úteis do NanosatC-Br1 foram integradas à plataforma, tendo elas e todos os seus subsistemas, performances nominais após a operação. O NanosatC-Br1 passou por testes de vibração e ambientais na segunda quinzena de março, antes de ser enviado para o seu lançamento, já contratado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), e será feito em território russo, com o DNEPR. Duas estações de solo foram montadas e encontram-se operacionais recebendo dados de outros cubesats na UFSM e no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).

O mesmo grupo do INPE e da UFSM que atua no NanosatC-Br1 também trabalha, no momento, no NanosatC-Br2, desta vez um 2U, com dois litros de volume e, portanto, praticamente o dobro da capacidade para cargas úteis, que serão uma sonda de Langmuir, para obtenção de dados da ionosfera (experimento de cientistas do INPE), e o primeiro subsistema de determinação de atitude desenvolvido no Brasil, e com tripla redundância (uma cooperação entre o INPE, a Universidade Federal de Minas Gerais, e a Universidade Federal do ABC). O NanosatC-Br2 tem seu lançamento previsto para 2015. Tanto o NanosatC-Br1 quanto o Br-2 são projetos originários do Centro Regional Sul do INPE, localizado em Santa Maria (RS), no campus da UFSM.

Um outro projeto surgiu no Centro Regional Nordeste do INPE, localizado em Natal (RN), no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Trata-se do CONASAT, de maior porte, com o uso de um nano satélite 8U, no padrão cubesat. Suas pretensões são substituir o atual sistema SCD (Satélite de Coleta de Dados), lançados em 1993 e 1998, e ainda em operação. Enquanto os SCD-1 e 2 têm massa superior a 100 kg cada e consistem em um prisma octogonal com cerca de um metro de altura, o CONASAT tem 8,4 kg, com redundância em todos os seus subsistemas e carga útil, e consiste de um cubo de 20 cm de aresta. O transponder de carga útil, desenvolvido em cooperação com a UFRN, utiliza os padrões cubesat e constitui-se de três placas de 10X10 cm com massa inferior a 300 g. Seu modelo de engenharia está em testes e a plataforma do satélite poderá estar disponível no final deste ano.

Vários outros projetos de cubesats estão em andamento no Brasil, como o do Instituto Federal Fluminense (IFF), em parceria com uma universidade espanhola, e aceito para fazer parte da missão da Agência Espacial Europeia chamada QB50, que lançará simultaneamente 50 cubesats para medidas atmosféricas. O ITA, em conjunto com o INPE, também trabalha em um cubesat, o AESP-14, com o intuito de desenvolver os subsistemas de uma plataforma 1U. Algumas outras universidades brasileiras também atuam ou estão em processo de se iniciar no campo dos cubesats, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade Federal de Minas Gerais.

Assim como o meio civil busca aplicações em que cube e nano satélites possam ser utilizados por seus baixos custos, o setor de defesa também o faz. A Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) lançou, no fim do ano passado, os seus primeiros cubesats para comunicação de pacotes de voz para áreas remotas. O Brasil participa, através do Comando da Aeronáutica, do rastreio desses sobre o território nacional em cooperação com a USAF. Sensoriamento remoto e infravermelho estão em análise. Uma outra aplicação em testes é para sistemas de identificação de navios (AIS – Automatic Identification Systems), como o Tríton, cujo primeiro cubesat da constelação foi lançado em novembro de 2013 para prova de conceito. O Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), do Ministério da Defesa, não prevê a utilização de cube e nano satélites, o que pode ter sido um erro, em virtude da necessidade do requisito do uso de satélites com Estoque de cubesats. Até onde se poderá ir? Esta é a grande questão que o setor espacial, indústria e academia tentam responder. Que tipo de aplicações esses satélites poderão suprir? As perspectivas hoje eram inimagináveis há dois ou três anos. Devido aos custos, muitos países antes não relevantes na corrida espacial poderão participar. Entretanto, ali são previstos recursos para estimular o desenvolvimento desse tipo de satélites.

Possibilidades futuras e dificuldades

Nem todos os projetos espaciais poderão ser substituídos por cube e nano satélites. Há limites de geração e armazenamento de energia a bordo para certas aplicações que inviabilizarão o seu uso em algumas aplicações. Mas, ainda nesses casos, eles podem ser complementares e cobrir estágios intermediários.

Há também dificuldades a serem superadas como o excesso de debris que causarão no espaço, a maior agilidade do setor de regulamentação, principalmente para a concessão de frequência (em comparação com o prazo para o seu desenvolvimento) e a oferta de pequenos lançadores para lançamentos dedicados, em que não se tenha que utilizar a mesma órbita do lançamento principal.

Por outro lado, o uso de constelações desses satélites, além do aumento em massa e volume do uso do padrão cubesat para satélites na classe de 10 a 20 kg., aumentará em muito a capacidade e o potencial de uso. Empresas como a Planet Labs pensam em grandes constelações. Assim, já assinou um contrato com a Google que prevê constelações de até 1.600 satélites cubesat! Este número é o dobro do total de satélites lançados até hoje. E, a produção já começou.

* Otavio Durão é engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 136, março de 2014.
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Um comentário:

teste disse...

Mileski
Os ciclos presente e futuro de inovação e tecnologia espaciais, no mundo encerram-se e recomeçam, e no Brasil? Parece que é chegada a hora de parar para recomeçar.
Conceito Cubesats, Space-X, Constelações Google, Elevadores Espaciais, Exploração de Asteroides e Lua, diversificação de fornecedores de partes e satélites convencionais demonstram o fim do ciclo de inovação e tecnologia espaciais das aplicações convencionais, inclusas observação, telecomunicações e voos tripulados próximos, e a partida do ciclo de exploração industrial do espaço.
Passou da hora do Brasil rever a estratégia e objetivos espaciais. Desenvolver uma estratégia com capacidade de retorno em múltiplos objetivos, no entanto, ter a competência do método espacial como um objetivo primário. Não permitir-se justificar pelo simples “flag” social, no entanto, com baixos retornos em termos de custo benefício e domínio precário do método. Buscar o método espacial e mirar num mais distante objetivos desafiadores dentro dos novos ciclos de inovação que se vislumbram.
As aplicações espaciais podem, como sempre o fizeram, beneficiar-se da expansão de oferta internacionais. Repensar os projetos em andamento e as cooperações internacionais de baixo retorno no domínio do método espacial, altos custos e poucos benefícios, em troca investir em pessoal e projetos desafiadores voltados ao método exploratório, para acesso do país em novos ciclos inovativos.
Abs
Décio