domingo, 5 de abril de 2015

"Robôs inteligentes e direitos humanos na Terra como no céu", artigo de José Monserrat Filho

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Robôs inteligentes e direitos humanos na Terra como no céu

José Monserrat Filho*

“Se o conhecimento pode criar problemas, não será através da ignorância que haveremos de solucioná-los.” Isaac Asimov

É possível que, em futuro não muito distante, inteligências artificiais, talvez na forma de robôs, se tornem capazes de produzir pensamento consciente. Seria o alvorecer da consciência das máquinas, algo que, há alguns séculos, desperta a imaginação da espécie humana. E certamente teria imenso impacto sobre a humanidade.

A reflexão é de Hutan Ashrafian, professor de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina do Imperial College, de Londres, e está exposta em seu artigo “Os robôs inteligentes devem proteger os direitos humanos”, publicado na revista científica britânica Nature, edição de 24 de março passado. Ele é autor do livro “O Direito Humanitário da Inteligência Artificial e dos Robôs – A Ética da Ciência e da Engenharia” (A Humanitarian Law of Artificial Intelligence and Robotics – Science and Engineering Ethics, de 2015).

Hoje por hoje, teme-se que as máquinas inteligentes se voltem contra os humanos. Se isso acontecer, quem salvaria um robô de outro robô e de nós? A pergunta é de Ashrafian. Ele especula que o contínuo progresso da inteligência artificial e da cibernética poderá acabar gerando “robôs racionais e conscientes”. A perspectiva provoca calafrios em muita gente e levanta desafios éticos e morais à filosofia da inteligência artificial.

Ashrafian lembra: o físico Stephen Hawking e Bill Gates, fundador da Microsoft, têm advertido para o perigo de os robôs inteligentes se tornarem demasiado poderosos e de se livrarem do controle humano. O dilema ético das máquinas inteligentes e a forma com que elas se relacionam com os seres humanos são tema frequente na ficção científica e peças centrais da trama de filmes como “Blade Runner”, de 1982, e “Ex-Máquina”, deste ano.

Para superar essa situação esdrúxula e supostamente ameaçadora, imaginam-se robôs éticos, autômatos de conduta ilibada. Projeta-se introduzir princípios éticos em máquias ultra complexas (humanoides?). Surge a figura inusitada dos agentes morais artificiais.

As leis da Robótica, de Asimov

O estudo, claro, leva em alta conta as leis pioneiras da robótica formuladas por Isaac Asimov (1920-1992), nascido na Rússia Soviética e naturalizado norte-americano, professor de Bioquímica da Universidade de Boston, famoso escritor de ficção científica e divulgador da ciência, autor, entre outros, do livro “Eu, Robô”, que resultou em filme lançado em 2004.

Segundo Asimov, sâo três as leis implantadas nos "cérebros positrônicos" dos robôs:

1) “Um robô não pode ferir um ser humano ou permitir, por inação, que um ser humano sofra algum mal”;
2) “Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei”;
3) “Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Leis”.

Mais tarde, dando dimensão máxima à Primeira Lei, Asimov criou a “Lei Zero”, que paira sobre todas as outras: “Um robô não pode causar mal à humanidade ou permitir, por omissão, que a humanidade sofra algum mal”.

A nova lei de Ashrafian

As leis de Asimov mostram o predomínio das preocupações com a interação entre robôs e seres humanos. Até há pouco não se dava atenção às inevitáveis relações éticas entre as futuras inteligências artificiais. Afinal, são criaturas produzidas pela espécie humana, com sua história milenar de conquistas culturais e morais.

Para preencher a lacuna, Ashrafian sugere a quarta lei da robótica, a “AionAI” (Artificial intelligence-on-Artificial intelligence), sobre a interação entre as próprias inteligências artificiais: “Todos os robôs dotados de algo comparável à razão e à consciência humana devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Ou seja, a ideia é regulamentar a convivência entre as futuras inteligências artificiais para evitar conflitos e criar um clima fraterno entre elas. Há um interesse pragmático básico aqui: as inteligências artificiais poderão melhor trabalhar juntas na exploração dos recursos extraterrenos, mantendo elevado nível de produtividade.

Neste contexto, não seria justo e necessário beneficiá-las com a adoção de um tratado universal reconhecendo a dignidade e os direitos inalienáveis das inteligências artificiais? Tal tratado não viria prevenir abusos e crimes causados aos e pelos robôs racionais e conscientes, bem como defender e desenvolver o código de ética da humanidade e de nossa civilização?

Se deixarmos que máquinas inteligentes causem males umas às outras, ainda que  sem impacto direto sobre o bem estar humano, tais ações podem afetar seriamente a nossa humanidade. Essa hipótese levou à criação do conceito de “direitos da máquina”.

Autômatos guerreiros

Robôs já atuam em conflitos armados. A Carta das Nações Unidas, de 1945, em seu Artigo 2º, § 3º, elimina as guerras como meio de resolver as controvérsias entre os países. Isso ainda não foi atingido. A continuar assim, Robôs sempre mais inteligentes serão cada vez mais empregados em ações bélicas. Certamente, ainda levará um bom tempo até que os soldados máquinas sejam tão ou mais chorados que os soldados humanos.

A menos que a Terra se torne inabitável e a espécie humana se veja obrigada a buscar morada em outros planetas, a Lua e outros corpos celestes serão, por muitos anos ainda, locais de humanos transitórios e robôs permanentes. E o relacionamento entre eles terá de ser regulamentado de acordo com as especificidades de cada um dos três grupos naturalmente diferentes: humanos com humanos, humanos com robôs, robôs com robôs. E os princípios supremos não poderão ser outros senão os da paz, da convivência cooperativa e da segurança coletiva, com base nos fundamentos da Carta das Nações Unidas.

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, diz o Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de dezembro de 1948. Como será redigido, dentro de algumas décadas, o Artigo 1º de uma Declaração Universal dos Direitos das Inteligências Artificiais?

Não parece natural igualar por inteiro humanos e robôs. Como então ordenar essa relação forçosamente desigual em aspectos vitais, resguardando a dignidade e os direitos já conquistados ou a conquistar de cada grupo, bem como o espírito de fraternidade indispensável entre eles? Quando e até que ponto as inteligências artificiais poderão ser responsabilizadas por seus atos?

São problemas complexos que o futuro nos coloca, queiramos ou não. Mas foram e  continuam sendo criados pela nossa civilização. Devemos fazer de conta que eles não existem ou que não existirão? O amanhã só pertence a Deus e não a nós? Para que serve espreitar e estudar o futuro? Não seria para melhor determinar o presente?

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB).
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