segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

"A utilidade do inútil no espaço", artigo de José Monserrat Filho

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A utilidade do inútil no espaço

José Monserrat Filho *

“Nas épocas de crise é que se deve dobrar o orçamento para a cultura!” Victor Hugo (1802-1885), escritor, ensaísta e político francês, autor de Os miseráveis

“É preciso olhar o mundo em que vivemos onde a lógica do dinheiro domina tudo. A única coisa que não pode ser comprada é o saber”, diz ao caderno Prosa d'O Globo, de 27 de fevereiro, o filósofo, crítico literário e professor de literatura italiana da Universidade da Calábria, Nuccio Ordine (1958-). Na entrevista, ele sustenta que só aquilo que está fora da lógica do lucro – as artes, a filosofia, a ciência – pode nos salvar da autodestruição.

Ordine veio ao Brasil lançar seu livro A Utilidade do Inútil – Um Manifesto, traduzido por Luiz Carlos Bombassaro, professor da UFRGS, e publicado pela Ed. Zahar. A obra, que já é best-seller na Europa, defende valores humanistas cada vez mais considerados “inúteis” e vem se tornando popular como “manifesto virulento e cheio de indignação intelectual a favor da arte e da cultura desinteressada”.

“Criamos um mundo onde as pessoas pensam apenas no seu próprio egoismo. Perdeu-se de vista o sentido da solidariedade humana”, afirma ele. A seu ver, “os saberes, como a música, a literatura, a filosofia, a arte, nos ensinam a importância da gratuidade. Devemos fazer coisas que não busquem o lucro. A dignidade humana não é uma conta que temos no banco. A dignidade humana é a nossa capacidade de abraçar os grandes valores, a solidariedade, o amor pela justiça, o bem-estar. Como convencer as pessoas disso?”

“Estamos numa rota autodestrutiva”, diz o filósofo e trata de explicar: “Hoje, temos uma radicalização na busca pelo lucro que se tornou uma forma de autodestruição do próprio capitalismo. É a ânsia de ganhar mais e mais que vai destruir o capitalismo.”

“Sou muito pessimista sobre o futuro desta Europa... fundada sobre bancos e finanças. É uma Europa que perdeu sua história. Na Renascença, homens como Giordano Bruno, Erasmo de Roterdã e Galilei Galileu tinham uma visão de cultura e da unidade europeia muito além dos limites geográficos e nacionais. Hoje, temos uma Europa que quer expulsar a Grécia. Mas como isso é possível se todos os conceitos, todas as palavras, toda a ciência, a arte, a literatura europeias vieram de lá? É como cortar os laços com o passado”, acrescenta Ordine e conclui: “Uma Europa assim está destinada ao naufrágio.”

Os cortes de recursos para as ciências básicas e sociais preocupam o professor italiano. Ele lembra: “Foi a pesquisa básica que criou as grandes revoluções da humanidade. Alguns trabalhos, que pareciam inúteis em certa época, tiveram resultados que mudaram a história da Humanidade.” E cita como exemplo o caso da pesquisa básica de James Watson e Francis Crick, que acabaram descobrindo a molécula de DNA.” Depois, arremata: “Os homens de ciência e os humanistas devem caminhar juntos para defender seus campos do utilitarismo.”

E o que é considerado “inútil” no espaço e nas atividades espaciais, que, de fato, tem muita utilidade e relevância? A definição e delimitação do espaço exterior, de que falei em recente artigo. Algumas grandes potências, lideradas pelos Estados Unidos (EUA), afirmam que esse procedimento jurídico é “desnecessário”, pois a falta de uma lei internacional a respeito “tem funcionado muito bem”. Eles não vêm utilidade em fixar, por meio de acordo obrigatório, uma fronteira entre o espaço aéreo e o exterior, mesmo reconhecendo que os regimes jurídicos vigentes nesses espaços são, além de diferentes, excludentes: no espaço aéreo, prevalece o direito soberano dos países subjacentes, enquanto no espaço exterior esse direito não vigora – o espaço exterior é visto desde o início da Era Espacial como um bem comum da humanidade (res communis omnium).

De pouca serventia é também considerado o Art. I, § 1, do Tratado do Espaço, que reza: “A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade.” Certos países desenvolvidos acham que esse princípio é antes um preceito moral, que nada estabelece de prático e/ou obrigatório. Eles preferem chamar de princípio fundamental a uma visão reduzida do parágrafo 2 do mesmo Artigo, ou seja, o princípio da livre exploração e uso do espaço, da Lua e dos demais corpos celestes.

Nem sempre se considera útil levar em conta o texto completo desse parágrafo, que diz: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, devendo haver liberdade de acesso a todas as regiões dos corpos celestes.” A lei dos EUA promulgada pelo Presidente Obama em 25 de novembro de 2015, autorizando as corporações americanas a extrair ouro, platina e outros minerais de asteroides e demais corpos celestes, alega que se trata apenas de exercer o direito de uso dos corpos celestes. Omite que esse uso unilateral e industrial dos corpos celestes pode ser claramente discriminatório e que o trabalho sistemático e complexo de mineração é óbvio entrave à liberdade de acesso a todas as suas regiões. Isso sem falar que tal mineração pode significar a posse, ainda que temporária, de valiosa área do corpo celeste, o que não é permitido pelo Art. II do Tratado do Espaço, que determina: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.”

Na área espacial, quem comanda mais que nunca são as mega corporações, que, como se sabem, são movidas a lucros descomunais, embora seus projetos sejam em geral financiados pelo respectivo Estado. As empresas promotoras do plano de minerar asteroides, que pressionaram pela aprovação do projeto tanto no Congresso dos EUA quanto junto à Casa Branca, estimam um ganho da ordem de trilhões de dólares. É uma fortuna inimaginável. Muitos estudiosos do assunto, inclusive o autor deste artigo, não são contrários à participação de empresas privadas no negócio em questão, mas estão convencidos de que a iniciativa deve e precisa beneficiar também todos os países do mundo. A solução mais justa no caso seria criar uma poderosa organização público-privada, capaz de impedir o aumento já imenso da desigualdade entre países e pessoas, e apoiar fortemente o desenvolvimento de toda a comunidade mundial. Será que discutir essa hipótese é mais uma ideia inútil, mesmo sendo humanamente difícil ignorar sua utilidade?

PS: Nuccio Ordine estará no Brasil em março, proferindo conferências e lançando seu novo livro. Eia sua programação:

1) Dia 2, às 18h – Conferência "A utilidade dos saberes inúteis", no Centro Brasileira de Pesquisas Físicas (CBPF): rua Dr. Xavier Sigaud 150 – Urca, tel.: (21) 2141-7100.
2) Dia 3, às 14h – Conferência "Cosmologia, filosofia, e literatura em Giordano Bruno", na COPPE/UFRJ: Avenida Horácio Macedo, 2030, Ilha do Fundão, Bloco G, sala 122, Centro de Tecnologia, tel.: (21) 3622-3477.
3) Dia 10, às 10h, Aula Magna na Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que já outorgou ao professor o título de Doutor Honoris Causa. Tema: “A Utilidade dos Saberes Inúteis”.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
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"Onde começa o espaço exterior?", artigo de José Monserrat Filho

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Onde começa o espaço exterior?

José Monserrat Filho *

“É um paradoxo elaborar normas jurídicas para regular questões do espaço exterior no Subcomitê Jurídico [do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior – UNCOPUOS], mas ser incapaz de criar um acordo sobre o que significa precisamente 'espaço exterior'.” Representante do Brasil em reunião do UNCOPUOS, em 19761

Se você perguntar onde começa o espaço exterior a um profissional das atividades espaciais, ele com certeza lhe responderá: “Mais ou menos a partir de 100 km da face da Terra.” Dificilmente alguém vai lhe dizer algo diferente. Mas esta é só uma referência prática, criada por pessoas experientes no ramo. A indicação não é obrigatória para os países. A comunidade mundial de nações ainda não logrou elaborar um acordo escrito a respeito.

A questão vem sendo discutida há exatamente 50 anos no Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (UNCOPUOS, na sigla em inglês), em especial no seu Subcomitê Jurídico.2 E esse meio século de debates ainda não foi suficiente para se chegar a uma solução aceitável para os dois lados da querela: quem é a favor e quem é contra a delimitação do espaço. Nem há perspectivas de se encontrar uma solução consensual proximamente.

O problema é que, como salienta Olavo Bittencourt3, a delimitação vertical da soberania dos Estados “toca questões estratégicas de grande relevância internacional”, pois “a conquista do espaço ultraterrestre se dá amparada em tecnologia dual, capaz de ser usada, como a maior parte das conquistas científicas, para a guerra e para a paz”. Não é isso que fecha as portas de um acordo?

O mais curioso do longevo debate é que as partes divergentes estão condenadas a seguir negociando pela vida afora, até encontrar uma solução consensual ou resolver, também por consenso, retirar o tema da pauta. No UNCOPUOS, impera a regra do consenso, adotada em 1962 por demanda da ex-União Soviética (URSS) numa época em que os Estados Unidos (EUA)  tinham maioria no Comitê e em seus Subcomitês.4 As deliberações passaram a ser tomadas com a aprovação de todos os países membros do Comitê – a começar, claro, pelos EUA e URSS – ou, pelo menos, sem nenhuma rejeição expressa. A regra do consenso foi essencial para a aprovação dos cinco tratados espaciais das Nações Unidas e de quase todas as resoluções da Assembleia Geral.5 Ela continua em pleno vigor, ainda que hoje mais de 60 países exerçam atividades espaciais e assumam diferentes posições no setor. Em 2015, a China apoiou a regra do consenso em especial na preparação da pauta de trabalho do UNCOPUOS e de seus Subcomitês, para promover esforços conjuntos na regulação das novas atividades espaciais.6

Na realidade, o desafio de traçar uma fronteira entre os espaços aérea e exterior surgiu já no primeiro dia da Era Espacial, com o lançamento do primeiro satélite feito pela mão humana, o Sputnik-1, em 4 de outubro de 1957. Onde estaria ele voando, no espaço aéreo ou em outro espaço, até então nunca percorrido por um objeto criado por terráqueos? Como nenhum país protestou contra a invasão de seu espaço aéreo pelo Sputnik-1, deduziu-se, naturalmente, que não era nesse espaço que ele voava, mas em outro espaço mais acima. Conclusão: o Sputnik-1 voava no espaço exterior. Esse termo em inglês – “outer space” – foi rapidamente assimilado tanto pelas instituições oficiais, nacionais e internacionais, quanto pela imprensa e pela opinião pública. Já o primeiro documento da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre assuntos espaciais, a Resolução 1348, de 13 de dezembro de 1958, falava em “outer space”.7 Implicitamente, todos os países reconheciam assim que qualquer artefato feito pela mão humana pode voar no espaço exterior sem a autorização do país subjacente, como é exigido para voos no espaço aéreo, sobre o qual o país subjacente exerce plena soberania – conforme reza a Convenção de Chicago de 1944.8

Mas só em 1967, a questão começou a ser debatida no UNCOPUOS, por proposta da França. Embora com título diferente, o tema entrou na agenda do Subcomitê Jurídico, a quem a Assembleia Geral das Nações Unidas havia solicitado, pela Resolução 2222 (XXI)9 de 19 de dezembro de 1966, “iniciar o estudo da questão da definição do espaço exterior e a utilização do espaço exterior e dos corpos celestes, inclusive as várias implicações nas comunicações espaciais”.

A palavra “delimitação”, no caso, surge apenas em 1972, quando o tópico foi renomeado para “definição e/ou delimitação do espaço exterior...”10, mantendo-se o restante da frase de 1966. Isto certamente refletia o interesse de definir o espaço exterior do ponto de vista de suas fronteiras.

E por que não fixar a fronteira a partir de 100 km de altura? Em 1979, a ex-URSS propôs ao Subcomitê Jurídico o estabelecimento da linha divisória entre os espaços aéreo e exterior na altura de 100-110 km acima do nível do mar.11 A proposta era realista. Baseava-se na convicção de que abaixo dessa faixa nenhum objeto consegue se manter em órbita. Mesmo assim não logrou o consenso indispensável para ser aprovada. Mas ganhou um prêmio invejável: com o tempo, tornou-se referência comum e corrente entre profissionais de diferentes atividades espaciais. Um hábito operacional e pragmático que permanece atuante até nossos dias.

Em 1984, O Subcomitê Jurídico criou um grupo de trabalho (GT) para estudar, em base prioritária, os problemas da definição e delimitação do espaço exterior e elaborar um projeto de princípios a respeito, a ser apresentado aos países membros do órgão. A determinação vinha da Resolução 38/80 da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 15 de dezembro de 1983.12 A resolução, ademais, requeria que o projeto de princípios levasse em conta os regimes jurídicos diferentes que ordenam o espaço aérea e o espaço exterior. Ou seja, a resolução já assumia clara posição diante da controvérsia existente.

Vejamos agora alguns argumentos comumente usados contra a definição e delimitação do espaço exterior, expostos pelos Países Baixos e EUA:

1) "O Reino dos Países Baixos, por enquanto, não julga necessário definir espaço exterior ou delimitar os espaços aéreo e exterior, ou seguir outro enfoque para resolver tais problemas. O estado atual das atividades espaciais e da aviação, no Reino e em países vizinhos, não gerou a necessidade de exercer jurisdição sobre os objetos que cruzam o espaço aéreo do Reino a caminho ou voltando do espaço exterior. Tal necessidade poderá surgir no futuro como resultado do desenvolvimento das tecnologias espaciais e da aviação, em particular o desenvolvimento de voos espaciais comerciais privados e do turismo espacial. Poderá, então, ser considerada a questão de saber se é preciso definir o espaço exterior ou delimitar os espaços aéreo e exterior, ou seguir outro enfoque para regular adequadamente tais atividades. Como a natureza exata e as circunstâncias dessas atividades não são conhecidas hoje, o Reino dos Países Baixos não considera necessário identificar e tratar do cenário de sua regulação.” (Declaração ao GT do Subcomitê Jurídico, em 201013.)

2) "Definir e delimitar o espaço exterior não é necessário. Não há questões legais ou práticas surgidas devido à falta de tal definição. Pelo contrário, os regimes jurídicos divergentes em vigor nos espaços aéreo e exterior têm operado bem em suas respectivas esferas. A falta de definição ou delimitação do espaço exterior não tem impedido o desenvolvimento de atividades em qualquer área. Não fomos persuadidos pelas razões expostas para que se efetue a definição ou a delimitação. Por exemplo, alguns delegados apoiam a ideia da definição para seu próprio bem. Mas, sem um problema prático a resolver, empreender tal definição seria exercício arriscado. (...) Outras delegações sugerem que uma definição ou delimitação é necessária de algum modo, para salvaguardar a soberania dos Estados. Sabemos, porém, que nenhuma questão da soberania do Estado será resolvida com a definição de espaço exterior. Mesmo se houvesse algum problema cuja resolução uma definição ou delimitação do espaço exterior ajudaria a resolver, a Subcomissão Jurídico deveria proceder com o devido cuidado. Seja qual for a definição ou a delimitação finalmente acordada, elas seriam, na pior das hipóteses, arbitrárias pela sua natureza, ou, na melhor das hipóteses, limitadas pelo estado atual da tecnologia. Por exemplo, os avanços tecnológicos aumentaram a altura em que os aviões podem sustentar o voo e diminuíram a altura em que o voo orbital de objetos espaciais é possível. Os avanços tecnológicos provavelmente continuarão. Seria perigoso que a Subcomissão Jurídica concordasse com uma linha artificial entre os espaços aéreo e exterior, quando não se pode prever as consequências de tal linha. A Subcomissão Jurídica não deve decidir a questão até que problemas práticos sejam identificados, de modo que uma solução se torne absolutamente necessária." Esta declaração dos EUA14, lida na reunião do Subcomitê Jurídico em abril de 2001, é vista como representativa e válida até hoje.

Eis agora os argumentos que defendem a definição e a delimitação do espaço exterior, apresentados no relatório do UNCOPUOS de 201515:

1) Uma discussão mais aprofundada deste item ajudaria a trazer claridade à implementação do Direito Espacial e do Direito Aeronáutico, levando em conta que o Direito Espacial é o único ramo do Direito Internacional cuja área de aplicação não é limitada nem definida;

2) O progresso científico e tecnológico, a comercialização do espaço, a participação do setor privado, as questões legais emergentes e a crescente utilização do espaço em geral tornam necessário que o Subcomitê Jurídico examine a definição e a delimitação do espaço exterior;

3) A definição e a delimitação do espaço exterior ajudarão a criar um regime legal único para regular o movimento dos objetos aeroespaciais, lançar claridade jurídica à implementação do Direito Espacial e do Direito Aeronáutico e elucidar as questões de soberania e responsabilidade dos Estados, bem como a fronteira entre os espaços exterior e aéreo.

Outros argumentos registrados no projeto de relatório de 201116 do Presidente do Grupo de Trabalho sobre o tema são:

1) É importante definir e delimitar o espaço exterior no nível internacional, pois isso criará certeza na aplicação do Direito Aeronáutico e do Direito Espacial, bem como no reconhecimento da soberania dos Estados sobre seu espaço aéreo.

2) São importantes os debates aprofundados sobre a definição e a delimitação do espaço exterior, mesmo no nível teórico, para se ter certeza sobre os mecanismos em funcionamento, antes que dificuldades reais ocorram.

3) As soluções sobre a definição e a delimitação do espaço exterior podem ser encontradas na lei nacional, que necessariamente não se oporão às fixadas em lei internacional.

4) A definição e a delimitação do espaço exterior também permitem a aplicação efetiva dos princípios da liberdade de uso do espaço e de sua não apropriação (Tratado do Espaço, Arts. II e II).

A Declaração do Brasil17, emitida em 2009, oferece essa argumentação: “A velocidade dos avanços tecnológicos no espaço e pesquisa aeronáutica indicam que, em futuro próximo, será possível desenvolver uma nave com características similares às de um "objeto aeroespacial", que poderia ser definido como objeto capaz de voar e realizar atividades tanto no espaço exterior quanto no espaço aéreo. Tendo isso em conta, objetos aeroespaciais devem ser regulados por lei espacial internacional quando estiverem no espaço exterior e pelas leis aeronáuticas internacionais e nacionais, quando estiverem no espaço aéreo. A principal diferença entre os dois regimes é que no Direito Aeronáutico prevalece o princípio da soberania do Estado, enquanto no Direito Espacial isso não ocorre. Para lidar adequadamente com situações decorrentes do desenvolvimento ou uso de objetos aeroespaciais (por exemplo, atividades no espaço aéreo estrangeira), é necessário que a comunidade internacional tome medidas para estabelecer princípios e parâmetros universalmente aceitos, que levem à definição de fronteiras entre os espaços exterior e aéreo.”

Uma incongruência salta aos olhos: os argumentos a favor são basicamente jurídicos e os contra não são jurídicos. Como afirmar que uma lei é desnecessária se ela vem traçar o limite indispensável entre sistemas legais divergentes, um onde prevalece a soberania dos países e outro onde não há lugar para ela? São dois regimes tão diferentes quanto incompatíveis. Por que, então, desprezar a lei? Porque a ausência da lei “funciona bem”? E por que supor que a existência da lei não funcionaria bem? Desde quando a ordem jurídica, a legalidade estabelecida com base na justiça e no entendimento democrático, impede o desenvolvimento dos países e das pessoas?

O fato é que os planos estratégico-militares, sobretudo de grandes potências, de que fala Olavo Bittencourt, não são feitos necessariamente para cumprir leis ou criar soluções jurídicas de comum acordo com os outros países. Basta ver o que ocorre com a chamada “nova Guerra Fria”.

* Presidente do Grupo de Trabalho sobre Definição e Delimitação do Espaço Exterior, do Subcomitê Jurídico do UNCOPUOS, desde 2005; Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA); Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial; Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA); e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.

Referências:

1) Resolution A/AC.105/C.2/7/Add.1, p.9.
2) http://www.unoosa.org/oosa/en/ourwork/copuos/index.html.
3) Bittencourt Neto, Olavo de O., Limite Vertical da Soberania dos Estados: Froneira entre Espaço Aéreo e Ultraterrestre, Tese de Doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), tendo como orientador o Prof. Paulo Borba Csella em maio de 2011, p. 73. Olavo tornou-se, então, o primeiro doutor em Direito Espacial formado no Brasil.
4) “Nos anos 60, os EUA contavam com maioria de rolo compressor na Assembleia Geral das Nações Unidas, e a maioria de votos no UNCOPUOS e em seus Subcomitês poderia desfavorecer fortemente os soviéticos. Mais tarde, a URSS tornou-se capaz de reunir uma maioria com o apoio do Grupo de Países Não-Alinhados e os EUA começaram a insistir no procedimento de consenso nos anos 80 e 90.” Ver em Perspectives on International Law, Edited by Nandasiri Jasentuliyna and published in United Kingdom by Kluwer Law International, in 1995, pp. 354-356.
5) Ver os tratados e resoluções das Nações Unidas no site www.sbda.org.br em “textos”.
6) http://www.fmprc.gov.cn/ce/cgvienna/eng/hplywks/t1274614.htm.
7) http://www.unoosa.org/pdf/gares/ARES_13_1348E.pdf.
8) http://www.icao.int/publications/Documents/7300_cons.pdf.
9) http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/005/25/IMG/NR000525.
pdf?OpenElement
10) www.unoosa.org/pdf/gadocs/A_8720E.pdf.
11) www.unoosa.org/pdf/gadocs/A_34_20E.pdf.
12) http://www.un.org/documents/ga/res/38/a38r080.htm.
13) http://www.unoosa.org/pdf/limited/c2/AC105_C2_2010_CRP10E.pdf.
14) http://www.state.gov/s/l/22718.htm.
15) UN General Assembly Resolution A/70/20 – Report of the Committee on the Peaceful Uses of Outer Space, Fifty-eighth session (10-19 June 2015). http://www.unoosa.org/res/oosadoc/ data/documents/2015/a/a7920_0_html/A_70_20AEVE.pdf.
16) www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/AC.105/C.2/2011/DEF/L.1&Lang=.
17) http://www.unoosa.org/pdf/reports/ac105/AC105_889Add2E.pdf.
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Testes do SGDC

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Satélite SGDC passa por mais uma bateria de testes na França

Brasília, 25 de fevereiro de 2016 – O ministro das Comunicações, André Figueiredo, acompanhou na segunda-feira (22) os testes com o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) em Cannes, na França. O ministro se reuniu com diretores da empresa Thales Alenia e acompanhou detalhes da montagem do satélite.

André Figueiredo explica que o lançamento do satélite é uma prioridade do governo federal e a meta é que, até dezembro próximo, o empreendimento esteja concluído. Ainda no primeiro semestre também estarão prontas para testes as bases de controle em Brasília e no Rio de Janeiro.

“Nessa primeira visita pudemos ver o satélite em fase de finalização, testes e junção de seus componentes. Conversamos com a direção da Thales e a perspectiva é de que o lançamento ocorra até dezembro. Essa é a meta que a empresa busca cumprir”, afirmou o ministro.

No momento são realizados testes térmicos. Em seguida, o equipamento passará por testes mecânicos e, em junho, serão preparados os exames com a parte de comunicações. Em dezembro último, foram integrados os módulos de comunicação e serviço.

Transferência - Um grupo de 22 profissionais brasileiros acompanha a construção do SGDC como parte do processo de absorção e transferência de tecnologia. O empreendimento é supervisionado pela Visiona, empresa formada pela parceria entre a Telebras e a Embraer. A partir de março, os profissionais encarregados da operação do satélite farão os treinamentos finais no centro de operações em Brasília (DF).

O satélite vai operar nas chamadas banda X e Ka. Em relação à primeira, trata-se de uma faixa de frequência destinada exclusivamente ao uso militar, correspondendo a 25% da capacidade total do satélite. A banda Ka terá capacidade de 54 Gbit/s e será usada para ampliar a oferta de banda larga pela Telebras.

O satélite pesa 5,8 toneladas e garantirá conexão banda larga nos municípios mais distantes do país. Ele reforça a rede terrestre da Telebras, hoje com 28 mil quilômetros de extensão, presente em todas as regiões.

O projeto é uma parceria entre os ministérios da Defesa (MD), das Comunicações (MC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e envolve investimentos da ordem de R$ 1,7 bilhão.

A previsão de lançamento é para o segundo semestre do ano e de operação no início de 2017. Após um período de ajustes e de testes, o satélite começa a sua operação comercial.

Fonte: FAB, via AEB.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Avanços no projeto CITAR

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Projeto CITAR testa componente eletrônico tolerante à radiação para uso em sistemas espaciais 

Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 2016

Os primeiros testes de radiação SEE no SpaceWire baseado em FPGA, componente eletrônico desenvolvido no âmbito do projeto CITAR (Circuitos Integrados Tolerantes à Radiação), foram realizados com sucesso durante o mês de janeiro. O componente será utilizado para comunicação de alta velocidade entre subsistemas de satélites em ambientes sujeitos à radiação.

Estratégico para o Brasil, o projeto CITAR visa suprir o país com a tecnologia de endurecimento à radiação de componentes eletrônicos e preparar a infraestrutura de testes de radiação em território nacional, promovendo a independência tecnológica na área.

“Também realizamos outros testes de radiação SEE que se mostraram uma poderosa ferramenta de suporte de projeto para seleção de topologias de circuitos a serem utilizadas na versão ASIC do componente SpaceWire, que será enviado para fabricação neste semestre”, informa Silvio Manea, engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o projeto CITAR é executado pelo INPE, Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), Instituto de Estudos Avançados do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (IEAv-DCTA) e Agência Espacial Brasileira (AEB), com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

Os primeiros testes de engenharia utilizando feixes de íons pesados foram realizados no Acelerador de Partículas Pelletron do Instituto de Física da USP, em São Paulo, pela equipe do CITAR. Nesta fase do projeto participam também as universidades FEI-SP, Instituto Mauá e PUC-RS.

Fonte: INPE
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Cooperação Brasil - Rússia

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Estação russa do sistema de navegação Glonass inaugurada em Recife

Brasília, 22 de fevereiro de 2016 – Foi inaugurada a semana passada no Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), em Recife, a Estação de Monitoramento do sistema russo de navegação por satélite, Glonass. O serviço de geolocalização funciona de forma semelhante ao Sistema de Posicionamento Global (GPS), mantido pelo governo dos Estados Unidos.

A instalação ocorre em função do Acordo de Cooperação, firmado pelo governo brasileiro e a Federação Espacial da Rússia (Roscosmos), assinado em 2006 e servirá para pesquisa e proteção mútua de tecnologias dos dois países.

Segundo o diretor da corporação estatal russa, Gennady Saenko, o Glonass garante a utilização do espaço para fins pacíficos. “Esta estação é importante para a sociedade de especialistas e universidades, pois pode dar impulso a outros projetos na área espacial”, disse. Esta é a segunda instalação no Brasil, depois da implementada na Universidade de Brasília (UnB).

De acordo com Saenko, o objetivo é expandir ainda mais o funcionamento na América do Sul e uma terceira estação será instalada na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, ainda este ano. O primeiro satélite do sistema foi lançado ao espaço em 1982, mas só 10 anos depois se tornou operacional. “Sem dúvidas essa é uma grande oportunidade para trabalhar de forma global pensando no local, já que esta estação agrega ao Brasil mais uma opção ao GPS”, diz o presidente do Itep, Geraldo Eugênio.

Todos os aparelhos enviados ao Itep são de origem russa e, segundo o coordenador geral da Representação Regional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) no Nordeste, José Bertotti, o investimento nacional foi ceder a estrutura que abriga a estação do Glonass.

A instalação no Recife é um importante componente para redução do erro de posicionamento do sistema Glonass na América do Sul, atuando na terra, no mar, no ar e no espaço. Nos próximos três meses o sistema vai atuar dependente da estação instalada em Brasília. De acordo com Bertotti, haverá um concurso para convocar especialistas na área. “Esta é uma oportunidade para universidades e as incubadoras instaladas no Instituto, que podem ampliar os estudos na área”.

Fonte: AEB
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domingo, 21 de fevereiro de 2016

SGDC poupado dos cortes orçamentários

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No final da semana passada, os Ministérios do Planejamento e Fazenda divulgaram os cortes no orçamento federal de 2016, que atingirão todas as pastas.

Um ponto interessante é que o governo, ao menos na apresentação feita pelo Ministério do Planejamento, poupará o projeto do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), colocando como um dos programas prioritários que não sofrerão cortes, a exemplo, aliás, do que aconteceu em 2015.

O cronograma da missão considera a colocação em órbita do satélite e início de sua operação nos primeiros meses de 2017.
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Bolsas de mestrado na China

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Universidade oferece três bolsas de mestrado em ciência espacial

Brasília, 19 de fevereiro de 2016 – O Centro Regional para Ciência Espacial e Educação Tecnológica na Ásia e no Pacífico (RCSSTEAP – China) oferece três bolsas de estudos para Mestrado na Beijing University of Aeronautics and Astronautics (BUAA), com início em setembro deste ano.

As áreas contempladas pelos Programas de Mestrado Master Program on Space Technology Applications (Masta) são Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS); Sensoriamento Remoto e Sistema de Geo-Informação (RS&GIS); e Direito e Política Espacial.

Os interessados serão pré-selecionados pela Agência Espacial Brasileira (AEB) cabendo a Universidade a seleção final.

São pré-requisitos para os candidatos ter menos de 40 anos até o próximo dia 15 de março;     ter experiência profissional na área; ter bacharelado, disciplina relevante ou similar ao diploma de bacharel; experiência de pesquisa nas áreas relevantes; bom domínio da língua inglesa e capacidade de acompanhar aulas nesse idioma.

Interessados devem preencher e enviar seu currículo, acompanhado do documento Basic Information of the Candidates for Masta 2016, para o e-mail buaa2016@aeb.gov.br até o próximo dia 1º de março de 2016.

Os candidatos selecionados para a segunda etapa terão até o dia 15 de março para fazer a inscrição final, de acordo com instruções a serem fornecidas pela AEB.

Informações suplementares com a Assessoria de Cooperação Internacional – aci@aeb.gov.br – (61) 3411-5546.

Fonte: AEB
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Cooperação Peru - França

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O ministro da Defesa do Peru, Jakke Valakivi, e o embaixador da França no país andino, Fabrice Mauries, firmaram no início de fevereiro um acordo bilateral relativo à exploração de seu primeiro satélite de observação terrestre, o PerúSAT-1, sem, no entanto, divulgar maiores detalhes.

Em construção pela europeia Airbus Defence and Space, o PerúSAT-1 contará com um sensor ótico com resolução submétrica, de 70 cm, capacidade inédita na América Latina. A previsão é que o satélite seja lançado ao espaço no meio deste ano, a bordo de um foguete Vega, da Arianespace, decolando de Kourou, na Guiana Francesa.

O Programa PerúSAT-1 inclui não apenas o fornecimento do segmento espacial, mas também de toda a infraestrutura de controle em solo e recepção de imagens no recém-criado Centro Nacional para Operações de Imagens de Satélites (CNOIS), construído pela Airbus Defence and Space. Um dos objetivos do programa é capacitar o Peru em competências no domínio de tecnologia espacial, operação de satélites e aplicações em imagens, sendo que o grupo já está fornecendo imagens geradas por sua constelação de satélites óticos e radar. Mais de 80 especialistas peruanos estão participando de um programa de transferência tecnológica executado em Toulouse e Lima.

Parcerias com Coréia do Sul e Rússia

Além da cooperação com a França, o governo peruano também tem discutido a ampliação de suas parcerias internacionais. Em janeiro, uma comitiva do Instituto de Pesquisa Aeroespacial da Coréia do Sul (KARI, sigla em inglês) esteve na sede da CONIDA, em Lima, para discutir possibilidades de cooperação entre os dois países. Empresas coreanas, aliás, chegaram a participar da concorrência internacional promovida pela CONIDA para a seleção do PerúSAT-1.

Também em janeiro, por ocasião de um encontro bilateral de autoridades da Rússia e Peru, ocorreu uma reunião técnica de especialistas da Roscosmos e CONIDA para tratar de possibilidades de colaboração no campo espacial. Iniciativas nas áreas de ciência espacial e exploração do espaço ultraterrestre, observação terrestre, comunicações, navegação por satélite, materiais e mesmo a formação e treinamento de um cosmonauta peruano foram discutidos.
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

'Faltam governança, estratégia e recursos ao setor aeroespacial', dizem debatedores

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'Faltam governança, estratégia e recursos ao setor aeroespacial', dizem debatedores

Da Redação | 16/02/2016, 16h58 - ATUALIZADO EM 16/02/2016, 17h58

O setor aeroespacial brasileiro precisa de governança, visão estratégica e recursos para que o Brasil alcance independência no acesso ao espaço, apontaram nesta terça-feira (16) os especialistas ouvidos pela pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT). Eles debateram as perspectivas para o setor.

Segundo os convidados para a audiência pública, a indústria aeroespacial brasileira está há quatro anos sem nenhum contrato e corre o risco de, no futuro, não conseguir acompanhar a indústria mundial, que está em crescimento. O setor também enfrenta falta de recursos humanos e limitação orçamentária, que corresponde a 0,004% do PIB brasileiro atualmente.

Segundo os expositores, o Brasil perdeu posição para a Argentina, que hoje é o país mais avançado na atividade espacial da América Latina. De acordo com uma escala de capacidade espacial da NASA, o Brasil está no nível 4, que representa um grupo de países que possuem sua própria agência espacial, opera seus próprios satélites, mas ainda não dominou o ciclo completo de acesso ao espaço. Os Estados Unidos, que são o único país que conseguiu enviar uma tripulação à lua e que tem permanência de tripulantes no espaço, estão no nível 8.

O senador Lasier Martins (PDT-RS), autor do requerimento da audiência pública, disse que a reunião serviu para trazer a verdade à tona e que o Brasil precisa fazer algo para se recuperar, embora o momento seja de crise.

— O Brasil fica sabendo hoje qual é a nossa realidade, e que estamos tão distante das lideranças. Estamos no nível 4. Estados Unidos, no ápice. China, Índia. E a nossa vizinha Argentina está muito à nossa frente. Onde está o nosso amor próprio, o nosso orgulho? Como nos deixaram afundar de tal maneira nos últimos anos de governo? — questionou o senador.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), presidente da CCT, disse que a audiência pública foi a melhor até o momento desde que começou a presidir a comissão. Ele afirmou que vai preparar um documento que possa chamar a atenção do Brasil para o potencial que o país tem e que não está utilizando.

De acordo com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Leonel Fernando Perondi, o Brasil tem hoje a oportunidade de ser um grande ator na indústria espacial, mas essa oportunidade deve passar em entre 5 a 10 anos.

— Porque em 5 a 10 anos, essa indústria já estará totalmente estabelecida e nós teremos aquele famoso late entrance fee, quer dizer, são países retardatários que querem entrar numa indústria. Eles vão ter que pagar muito mais porque, naquele momento, os sistemas produzidos já estão muito baratos — afirmou.

Avanços e desafios

De acordo com o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Braga Coêlho, embora enfrente muitos desafios, o setor espacial brasileiro tem avançado. Ele afirmou que o Centro de Lançamento de Alcântara está preparado para promover todas as atividades preconizadas no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

O diretor do Inpe informou que o Brasil está entre os nove países no mundo que fabrica câmeras para colocar no espaço e que conseguiu grandes avanços em dez anos.

— Nós conseguimos grandes avanços. Conseguimos em dez anos contratar três sistemas, gerando um arranjo industrial, temos inovação com essas câmeras, mas estamos perdendo esse arranjo — afirmou.

Para Coêlho, o setor enfrenta três desafios que precisam ser superados para que a situação do país se reverta. O primeiro está relacionado ao orçamento destinado às atividades espaciais brasileiras. O segundo é a burocracia e as incertezas jurídicas que prejudicam as instituições executoras dos projetos. E o terceiro é que os programas de estado, como os programas espaciais, precisam da presença e competência do Estado para formular os requisitos e deixar que a indústria os execute.

— Torna-se fundamental que o Brasil entenda que não há alternativa fora da plena atribuição à industria nacional  — afirmou o presidente da AEB, referindo-se à responsabilidade sobre o desenvolvimento dos projetos em sua fase industrial.

O presidente do sindicato de metalúrgicos de São José dos Campos, Antônio Ferreira de Barros, relatou exemplos de indústrias que estão à beira da falência, como a Avibras, que fabrica lançadores, e a Mectron, que fabrica mísseis.

— O nosso país é um país de dimensão continental, rico pela natureza, mas nós não temos hoje um preparo para enfrentar uma situação de guerra ou ameaça que não é descartado que no futuro a gente venha a viver — afirmou.

O diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores Públicos Federais da área de Ciência e Tecnologia (SindCT), Gino Genaro, criticou as falhas do governo com iniciativas que deram errado, como um contrato com a Ucrânia para lançamento de um foguete, rompido unilateralmente em 2015. Para ele, depende agora do governo e do Congresso traçar uma estratégia para que o setor espacial volte a crescer.

— Está nas mãos do Estado brasileiro, do governo e do parlamento traçar essa estratégia do programa espacial brasileiro — afirmou.

Fonte: Agência Senado.
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

"Batalhas e preces na nova Guerra Fria", artigo de José Monserrat Filho

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Batalhas e preces na nova Guerra Fria

José Monserrat Filho *

“Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva.” Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843), poeta alemão

A Secretária da Força Aérea dos EUA, Deborah Lee James, e o Chefe do Estado Maior dessa Força, General Mark A. Welsh III, depuseram perante a Comissão de Orçamento do Senado americano, em 10 de fevereiro, buscando convencer os membros da Câmara Alta do Congresso Nacional da necessidade de aprovar mais recursos para essa área militar, no ano fiscal de 2017, conforme notícia da própria Força Aérea.

Ambos enfatizaram que o poder aéreo do país precisa continuar aumentando e que a distância entre a Força Aérea dos EUA e a de seus mais próximos “perseguidores” continua diminuindo. A titular da Força Aérea declarou: “O fundamental aqui (...) é que nós estamos completamente engajados em todas as regiões do mundo, em todas as missões regionais, em todo o espectro das operações militares". E resumiu: “Simplificando, nunca estivemos mais ocupados de forma tão sustentada e numa base tão global" (“Put simply: we have never been busier on such a sustained and such a global basis.”).

A notícia não dá os números completos da proposta orçamentária da Força Aérea. Diz apenas que ela visa “construir, treinar e equipar uma Força Aérea capaz de responder às ameaças de hoje e de amanhã”, segundo a informação. O General Welsh, por sua vez, advertiu: "Sem poder aéreo, os EUA não podem lutar nas guerras de hoje, muito menos vencê-las. Isso mostra o quanto mudou a guerra moderna. A demanda pelo poder aéreo continua crescendo.” E tocou num ponto sensível para os senadores: “Trabalhamos duro para sermos cada vez mais eficientes – o que é um dever – e para reduzir o custo operacional efetivo da nossa Força Aérea. Mas, se menos capacidade ou menos habilidade ou menos preparo significar, eventualmente, a perda de mais um jovem norte-americano no campo de batalha, todos nós desejaríamos ter feito melhores investimentos."

A chegada solene a Washington de uma urna coberta com a bandeira dos EUA contendo os restos mortais de um jovem soldado ou oficial sempre comoveu muito as famílias americanas, independente das baixas que sua missão tenha causado.

Não por acaso, a Secretária James defendeu três prioridades: “Cuidar das pessoas, equilibrar a prontidão (readiness) e a modernização, e fazer valer cada dólar – princípio básico do orçamento do Presidente [Obama] para o ano fiscal de 2017”, como diz a notícia. A Secretária insistiu no argumento emocional: “Os aviadores e suas famílias são os recursos mais importantes da Força Aérea e nosso orçamento reflete esta verdade.” E a informação enaltece: “A Força Aérea parou de reduzir seus efetivos e começou a dimensionar de forma correta a força total para enfocar uma série de áreas-chave, como cibernética, nuclear, manutenção, inteligência, aviadores do front de batalha e a comunidade de aeronaves remotamente pilotadas.”

“Menos da metade de nossa força aérea de combate está hoje pronta para uma luta de alto nível” (“Less than half of our combat air forces are ready today for a high-end fight”), bateu pesado a Secretária. E arrematou: “Nossa frota de aeronaves nunca foi tão antiga, e nossos adversários rapidamente estão fechando o gap tecnológico em relação a nós, de modo que nós, simplesmente, devemos nos modernizar” ("Our aircraft inventory is the oldest it's ever been, and our adversaries are closing the technological gap on us quickly so we simply must modernize.").

A notícia frisa: “A redução orçamentária de 2013 pressionou a Força Aérea, forçando-a a estacionar jatos, atrasar atualizações e parar treinamentos, o que criou uma lacuna na prontidão. A Secretária não deixou por menos: "Nos últimos dois anos, vimos tentando reconstruir essa prontidão, mas, claro, nossos aviadores continuaram tendo que responder a eventos do mundo real em todo o globo". E advertiu de maneira dramática: "Se voltarmos à redução orçamentária no ano fiscal de 2018, isso vai agravar o problema da prontidão e nos empurrar para traz cada vez mais. Ocorrendo isso, nossos aviadores poderiam ser forçados a entrar em um futuro conflito com a preparação insuficiente."

“Para equipar-se, a Força Aérea tem investido no F-35 Lightning II, KC-46 Pegasus e o bombardeiro de ataque de longo alcance, mas a modernização não pára por aí”, ressalta a informação. O General Welsh endureceu: "As plataformas e sistemas que nos fizeram grandes nos últimos 50 anos não vão nos fazer grandes nos próximos 50". E foi além: "Há muitos outros sistemas que precisamos atualizar ou revalorizar para garantir a viabilidade [da luta] contra as ameaças atuais e emergentes. Sem recursos adicionais, o único modo de fazer isso é alienar a capacidade velha e construir uma nova. Isso exige decisões emocionais muito difíceis – decisões que, simplesmente, precisam ser tomadas se existimos, verdadeiramente, para prover a defesa comum".

 “A Força Aérea deve se modernizar para deter, rechaçar e, decididamente, derrotar qualquer ator que ameace a pátria e seus interesses nacionais”, diz a proposta orçamentária da Força Aérea para 2017, conforme reza a informação. A proposta leva em conta que “os desafiadores da Força Aérea empregam, cada vez mais, sistemas letais, competentes e sofisticados”. O General Welsh foi veemente: "Vinte e cinco anos de operações de combate têm impactado drasticamente o conjunto de nossa força de prontidão, envelhecido significativamente nossos equipamentos e demonstrado o brilho dos nossos aviadores e a lealdade de suas famílias." E mais: “O mundo está mudando, a ameaça está mudando e nossa Força Aérea deve mudar também, se quisermos continuar sendo relevantes. Hoje (…) creio ser nosso trabalho coletivo garantir a capacidade do país de contar com o poder aéreo, quando e onde isso mais importar...” A notícia reforça: “Tal postura reflete a terceira prioridade, isto é, o compromisso da Força Aérea de preservar o dinheiro do contribuinte com uma série de iniciativas que incluem o consumo racional de energia e a redução de custos – ideias que provêm diretamente de nossos aviadores.”

“Nossos adversários potenciais desenvolvem capacidades para negar, degradar e destruir as nossas capacidades espaciais", afirmou o Secretário Adjunto da Força Aérea para o Espaço, Winston A. Beauchamp, durante a entrevista coletiva à imprensa sobre o orçamento de 2017, em 11 de fevereiro, junto com o Diretor dos Programas Espaciais do Escritório da Secretaria Assistente para Aquisições (Office of the Assistant Secretary for Acquisition), Major General Rober Teague. Beauchamp não revelou quem são os “adversários potenciais”. Seja como for, a acusação é extremamente grave e deveria ser submetida à apreciação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Todas essas ameaças, diz o próprio Beauchamp, que já denunciamos em 2015, “continuaram a evoluir”. Na verdade, o perigo que representam atinge, não só os EUA, mas todos os países do mundo. É um típico problema de segurança global. Não deixa ninguém de fora.

Fixado no orçamento para 2017, Beauchamp encarece a necessidade de esforços para manter a capacidade da Força Aérea, aperfeiçoando sua flexibilidade. Tais esforços, explica a notícia, incluem “a determinação de investimentos adequados, o peso da base orçamentária para melhorar a flexibilidade dos programas de registro, a reavaliação das técnicas operacionais, táticas e procedimentos, a exploração da estratégia de contratos inovadores, como as parcerias público-privadas, e uso da cooperação internacional”.

Fica no ar a questão: que países pretendem negar, degradar e destruir as capacidades espaciais dos EUA? China, Rússia, Coreia do Norte, Irã? Os únicos países com capacidade para tanto seriam a China e a Rússia. O Chanceler da China, Wang Yi, disse à agência Reuters, à margem da Conferência de Segurança de Munique (sobre a Síra, entre outras questões), em 12 de fevereiro: “A China opõe-se decididamente a qualquer tentativa de qualquer país de violar os direitos e interesses legítimos da China em nome da questão nuclear na península coreana". Para Wang Yi, a implantação na Coreia do Sul, em base militar americana, do sistema de defesa anti míssil THAAD (High Altitude Terminal sistema Area Defense) “vai muito além das necessidades de defesa da península coreana e atinge em profundidade o continente asiático, afetando diretamente os interesses estratégicos de segurança da China e outros países asiáticos”.

"Deslizamos para novo período de Guerra Fria”, declarou o Primeiro-Ministro da Rússia, Dmitry Medvedev, também à margem da Conferência de Munique. A seu ver, “quase todos os dias, somos acusados de fazer novas e terríveis ameaças à NATO como um todo, à Europa ou aos EUA ou a outros países". Ainda assim, Moscou insistiu na proposta de parceria com os EUA para derrotar rapidamente o Estado Islâmico, que, segundo a Rússia, é hoje o maior perigo comum.

Oremos todos para que não ocorra “uma nova guerra mundial”, rogou o encontro histórico, em Havana, no dia 12 de fevereiro, do Papa Francisco e do Patriarca de Moscou e de toda a Rússia. Para eles, “é necessário que a comunidade internacional faça todos os esforços possíveis no sentido de pôr fim ao terrorismo, mediante ações comuns, conjuntas e sincronizadas”.

São palavras sensatas e objetivas, mas há mais que preces a se fazer neste momento crucial.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
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domingo, 14 de fevereiro de 2016

Programa Espacial em discussão no Senado

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Situação do setor aeroespacial será debatida na Comissão de Ciência e Tecnologia

Da Redação | 11/02/2016, 15h48 - ATUALIZADO EM 12/02/2016, 17h50

A Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) fará na próxima terça-feira (16) sua primeira audiência pública do ano. A pedido dos senadores Lasier Martins (PDT-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF), autoridades e especialistas da área vão debater a situação do setor aeroespacial brasileiro, a partir das 9h.

Os parlamentares querem saber como a crise econômica tem impactado o segmento, que foi responsável em 2014 por receitas de US$ 6,4 bilhões e pela geração de 24 mil empregos diretos.

"É preciso examinar quais programas do governo federal relacionados ao setor precisam ser estimulados. É preocupante, por exemplo, a situação do veículo lançador nacional de satélites, que se encontra em compasso de espera há vários anos", dizem os senadores no requerimento que deu origem à audiência.

Para eles, é necessário fortalecer as empresas já existentes, bem como estabelecer estímulos para que novas companhias se instalem e passem a funcionar no Brasil.

Foram convidados o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Braga Coelho; o diretor-presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), Walter Bartels; o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Leonel Fernando Perondi; o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, Herbert Claros da Silva; e um representante do Ministério da Defesa.

Fonte: Agência Senado.
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sábado, 13 de fevereiro de 2016

"Mil páginas sobre Direito Espacial", artigo de José Monserrat Filho

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Mil páginas sobre Direito Espacial

José Monserrat Filho *

“... apesar dos objetivos expressos de comercialização de dados e produtos do sensoriamento remoto, o número de restrições ao acesso está aumentando. Este fato levou estudiosos a pedirem uma reorganização das normas internacionais que regem a distribuição e o uso dos produtos do sensoriamento remoto.” Fabio Tronchetti, um editores do livro aqui apresentado.

O volumoso “Manual de Direito Espacial” (Handbook of Space Law) foi editado, em 2015, por dois juristas europeus com doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Leiden, fundada em 1575 nos Países Baixos (Holanda). Hoje eles lecionam fora da Europa: Frans von der Dunk (FvdD), dos Países Baixos, é professor na Universidade de Nebrasca, nos Estados Unidos (EUA), e Fabio Tronchetti (FT), da Itália, professor associado da Escola de Direito do Instituto Tecnológico Harbin, na China. Eles contaram com os textos e a competência de dez colaboradores de alto nível, como vemos abaixo. O volume, com mil páginas, é bem mais que um manual.

O livro aborda os temas hoje clássicos do Direito Espacial. Basta ver os títulos de seus 19 capítulos: 1) Antecedentes e História do Direito Espacial, de Peter Jankowitsch (Áustria); 2) Direito Espacial Internacional, de FvdD; 3) Direito Espacial Nacional, de Irmgard Marboe (Áustria); 4) Direito Espacial Europeu, de FvdD; 5) Organizações Internacionais no Direito Espacial, de FvdD; 6) Aspectos Jurídicos do Uso Militar do Espaço Exterior, de FT; 7) Aspectos Legais dos Serviços de Lançamento e Transportes Espaciais, de Peter van Fenema, dos Países Baixos; 8) Aspectos Legais dos Satélites de Comunicação, de FvdD; 9) Aspectos Legais dos Satélites de Sensoriamento Remoto, de FT; 10) Aspectos Legais dos Satélites de Navegação; de Lesley Jane Smith, do Reino Unido; 11) Aspectos Legais dos Voos Tripulados e da Operação de uma Estação Espacial, de Carla Sharpe, da África do Sul, e FT; 12) Aspectos Legais dos Voos Tripulados Privados, de FvdD; 13) Aspectos Ambientas das Atividades Espaciais, de Lotta Viikari, da Finlândia; 14) Aspectos Legais do Uso de Recursos do Espaço, de FT; 15) Aspectos do Comércio Internacional nos Serviços Espaciais, de FvdD; 16) Ventures Financeiras Espaciais, de Mark Sundahl, dos EUA; 17) O Seguro no Contexto das Atividades Espaciais, de Céline Gaubert, da França; 18) Os Direitos de Propriedade Intelectual no Contexto das Atividades Espaciais, de Catherine Doldirina, do Canadá; e 19) Solução de Controvérsias nas Atividades Espaciais, de Maureen Williams, da Argentina.

No prefácio, Rusty Schweickart (1035-), astronauta americano, tripulante do Apolo-9, nota que "com a análise mais abrangente e holística dos aspectos legais e regulamentares das atividades espaciais e as principais aplicações espaciais até à data, este manual aborda tais aspectos legais e as principais aplicações no espaço, com base em perspectiva ampla e estruturada sobretudo a partir da dicotomia entre o caráter do Direito Espacial Internacional (DEI) orientado pelo Estado e a crescente comercialização e privatização das atividades espaciais – a mudança de paradigma mais fundamental que ocorreu nessas atividades desde o início da Era Espacial”.

Na realidade, a comercialização e a privatização das atividades espaciais, sobretudo nas grandes potências, também é orientada e apoiada pelo Estado por meio de leis, investimentos e encomendas. Ademais, na maioria esmagadora dos países, inclusive no Brasil e em toda a América Latina, o Estado desempenha papel essencial nos programas espaciais nacionais. A meu juízo, talvez se deva definir como mudança de paradigma o extraordinário fortalecimento de corporações privadas financeiras e industriais, que ganharam poder econômico e político sem precedentes em alguns países, com forte impacto global.

O Capítulo 2, sobre o DEI aparece como coluna vertebral do livro. FvdD apresenta sua visão geral desse ramo do Direito. Trata de sua evolução, seus tratados, seus problemas mais debatidos, regimes jurídicos que o cercam. Nas conclusões, ele escreve que “o espaço começou a acolher todo tipo de atividades humanas, ou melhor, a desempenhar papel fundamental nelas – militares, científicas, administrativas, combate ao crime e ao terrorismo, comerciais e humanitárias – e, assim, na regulamentação do comportamento de todos os seres humanos que delas participam”.

“O espaço torna-se de fato o quarto domínio (realm) para a humanidade se aventurar, e, presumivelmente, o último, após as massas de terra, os oceanos e o espaço aéreo”, esclarece e lembra: Não por acaso, não faz muito os militares dos EUA começaram a considerar seriamente a criação do quarto ramo das Forças Armadas – próximo do Exército, da Marinha e da Força Aérea – a Força Espacial. Ao mesmo tempo, o autor, estudioso do Direito Cibernético, levanta a hipótese de que o âmbito cibernético (cyber) poderia constituir um domínio próprio. Parece que as atividades cibernéticas, pelo menos até agora, são de base terrestre. Podem também, é certo, ser exercidas nos espaços aéreo e exterior, mas sob controle e no interesse de centros e instituições sediados na Terra. No espaço exterior, a impressão é de que poderão gerar efeitos profundamente deletérios.

FvdD diz que “para uma compreensão adequada do modo como a lei e a regulação – que também incluem a legislação nacional no âmbito do DEI – têm impacto sobre todas as actividades espaciais ou, pelo menos, sobre um elemento ou aspecto substancial delas, as análises e propostas destinados a posterior desenvolvimento nunca devem se abster de levar efetivamente na devida consideração o amplo escopo do Direito Espacial lato sensu [no sentido amplo]”.

Número limitado mas suficiente de questões – No entender de FvdD,“fora das muitas sobreposições, inconsistências ou lacunas por entre a miríade de regimes legais que interagem [nas cercanias da DEI], este Capítulo e até este livro podem lidar apenas com um limitado número das questões mais importantes, mas suficiente, presume-se, para entender os mecanismos básicos a respeito” [da matéria]. Na verdade, o livro cobre um sem-número de temas históricos e atuais.

FvdD conclui, ironizando a variedade de regimes jurídicos que cercam o DEI: “Notando que a maioria dos atores, certamente países e entidades privadas menores, que não empregam grandes burocracias, prefeririam ser confrontados por, pelo menos, um conjunto coerente de direitos e obrigações, em vez de por uma simples lista de vários regimes aplicáveis a seu campo específico de atividade sem sequer contar com um kit faça-você-mesmo para dar sentido à interação dos regimes, e onde um pode ter precedência sobre o outro, é claro que ainda há muito a fazer nesta área fascinante de direito internacional público.” Permito-me citar um exemplo de regime jurídico: o MTCR (Missile Tecnology Control Regime), Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, criado em 1987 por iniciativa dos EUA e aliados, que bloqueou durante vários anos a construção do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) do Brasil, sob a alegação de ser um míssil de longo alcance para uso militar.

Sobre o antigo e polêmico tema da definição e delimitação do espaço, FvdD lembra frase de Manfred Lachs (1914-1993 – jurista polonês, ex-presidente da Corte Internacional de Justiça, ligada às Nações Unidas), escrita em artigo de 1992  – “talvez esteja se aproximando o momento em que uma decisão sobre a definição da fronteira entre as duas dimensões terá que ser tomada” – e se anima a opinar: “Parece provável que seria necessário um acordo mais formal sobre a fronteira entre os espaços aéreo e exterior, presumivelmente a uma altitude de cerca de 100 km – se isso não for  desenvolvido como norma de Direito Internacional Consuetudinário, onde o dito acima poderia ser considerado como, pelo menos, tendência inequívoca de acordo sobre tal norma.”

O bloqueio do avanço dos serviços comerciais de lançamentos espaciais – Peter van Fenema revela no Capítulo 7: “O desenvolvimento dos serviços de lançamento [de foguetes] como parte do comércio internacional regular, comparado ao transporte aéreo internacional, continua bloqueado por razões militares e de segurança nacional em torno dos veículos de alta tecnologia e tecnologias sensíveis usados para esse fim. Tais aspectos e o pequeno número de empresas estatais e privadas que, como resultado, prestam esses serviços – e o fato de a maioria das operações não envolverem a passagem por fronteiras nacionais – também sugerem a criação de uma organização internacional intergovernamental destinada a lidar com a regulamentação da matéria, em especial da segurança e da sustentabilidade – aspectos relacionados. Até agora, esses aspectos têm impedido a indústria de falar com uma só voz em fóruns como o Comitê das Nações Unidas Para o Uso Pacífico do Espaço Exterior [COPUOS] e seu Subcomitê Jurídico.”

A regulamentação desse campo, acredita Fenema, seguirá vindo, sobretudo, de governos nacionais na forma de leis, políticas e práticas domésticas, e de acordos bilaterais, influenciados em certa medida por elementos do soft law [direito não obrigatório] (e vice-versa). Esta situação, diz ele, provavelmente só vai mudar quando os passageiros de rotina dos transportes espaciais [turistas] e a consciência de seus próprios interesses (quanto às ameaças do lixo espacial, por exemplo)... forçarem a indústria e o governo, desafiados, a agir em conjunto.

Handbook of Space Law, vale frisar, é extremamente rico em referências bibliográficas e factuais. Eu o recomendo a quem estuda Política e Direito do Espaço e das Atividades Espaciais. O único problema para quem vive num país em desenvolvimento, como o Brasil, é o preço do livro. Pela Amazon, ele normalmente custa 345 dólares (R$ 1.380,00), uma pequena fortuna, embora haja, segundo a consulta que fiz em 12 de fevereiro, 12 exemplares sendo vendidos a 260,98 dólares (R$ 1.043,92), o que não é propriamente um consolo, mas permite uma economia de R$ 336,00. E se um grupo de interessados olhar essa compra como investimento, talvez valha o sacrifício.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"A Visiona de olho na Terra"

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A Visiona de olho na Terra

Ivan Plavetz

Sensoriamento remoto através de satélites é, atualmente, um instrumento de grande valor técnico, científico e estratégico em muitas áreas da atividade humana, entre elas, cartografia plana e 3D, monitoramento e proteção ambiental, prospecção de jazidas minerais, acompanhamento da evolução urbanística das cidades, inspeção e avaliação de mananciais hídricos, chegando até aos levantamentos de interesse militar (inteligência, monitoramento marítimo e mapeamento de terrenos). De olho nesse mercado, a brasileira Visiona Tecnologia Espacial acaba de lançar um projeto de prestação de serviços nessa área.

A demanda

A Visiona Tecnologia Espacial, uma empresa do grupo Embraer e Telebras, foi criada há três anos como integradora de satélites. Em nível mundial, como negócio, cerca de 80% dessa atividade depende e é desenvolvida com apoio governamental, sendo que no Brasil isso acontece da mesma forma. De acordo com Eduardo Bonini, seu presidente, em conversa com a reportagem de T&D, paralelamente à expectativa de oferecer soluções de construção e integração de satélites, a companhia decidiu seguir um modelo de negócio consagrado entre fabricantes espalhados ao redor do mundo. Os fabricantes de satélites também oferecem prestação de serviços usando esses veículos espaciais, sejam eles de comunicações ou de observação terrestre, entre outras aplicações.

Alinhando-se a esse modelo, a Visiona optou por entrar em um negócio que não depende de projetos esporádicos como a integração. Um projeto de satélite leva ao redor de três a três anos e meio. Como a empresa precisa de fontes contínuas de renda, ela definiu o lançamento de um serviço de fornecimento e análise de imagens com o objetivo de desenvolver grandes planos para sensoriamento remoto no Brasil e países vizinhos.

Para tanto, a Visiona estudou cuidadosamente a contratação de parceiros e suas respectivas constelações de satélites já em operação. A empresa já sabia que seus proprietários atuam de forma global, entretanto, conseguiu concessões para aplicações sobre solo brasileiro, latino-americano e algumas regiões da África. Para Bonini, desenvolver negócios nesses mercados dependerá da capacidade da empresa, contudo, ele considera o Brasil o grande foco desse nicho, pois as necessidades são muito maiores do que já está sendo feito no País e há boas chances de sucesso.

Com base em recente estimativa divulgada por fontes governamentais, o Brasil gasta por ano cerca de R$ 100 milhões em atividades de imageamento específicas para sensoriamento remoto. A despeito do ainda baixo nível de emprego dessa ferramenta por aqui, existe um crescimento mundial de 10% ao ano correspondente ao emprego dessa tecnologia, o que demonstra o significativo potencial de mercado existente e a viabilidade de explorá-lo, estimando-se que daqui a 10 anos poderá estar movimentando anualmente no País em torno de R$ 200 milhões.

A Visiona, segundo Bonini, possui uma visão de mercado que prevê uma grande demanda por sensoriamento remoto não somente por satélites dotados de sensores ópticos, mas, também por radar. A gama de aplicações é vasta, incluindo planejamento territorial, levantamentos nos campos da energia, agrícola, agropecuária e florestal e controle de fronteiras, bem como prevenção, acompanhamento e avaliação de consequências de desastres naturais. Portanto, em função desse volume de aplicações e as dimensões do território brasileiro, cabe o uso de uma ampla constelação de satélites de observação.

Parcerias e constelação

Para desenvolver seu projeto, a empresa firmou acordos de distribuição de imagens com alguns dos principais operadores de satélites de observação da Terra: Grupo Airbus, a norte-americana DigitalGlobe, a japonesa Restec, e a sul-coreana SI Imaging Services.

Por meio dos acordos firmados com essas corporações, a Visiona formou uma constelação virtual de satélites, ou seja, cada uma das empresas parceiras possui a sua constelação de satélites, sendo que cada uma delas irá fornecer de forma independente imagens para a Visiona. Dessa forma, será possível obter um conjunto de imagens com características únicas do mesmo assunto a partir de satélites de constelações diferentes, resultando na capacidade de coletar grandes volumes de imagens com altas taxas de revisita (as quais podem ser diárias), ou seja, o cliente tem a seu dispor imagens registradas em intervalos de tempo de acordo com suas necessidades. A grande diversidade dos sensores presentes nessa constelação permitirá que a empresa forneça soluções superiores para as mais variadas aplicações de sensoriamento remoto, enfatizou Bonini.

No total, a empresa terá acesso unificado a uma constelação composta por 22 satélites (ver box) que percorrem orbitas circulares baixas com menos de 2.000 km de altitude (LEO - Low Earth Orbit), sendo 18 deles dotados de sistemas de sensores ópticos capazes de gerar imagens pancromáticas e multiespectrais de média, alta e altíssima resolução espacial, com várias faixas de cobertura de terreno, isso com resoluções de 31 centímetros a 22 metros, e três satélites com capacidade de sensoriamento por radar SAR com resoluções de 25 cm a 95 m que funcionam nas Bandas X e L, esta última tecnologia única no mundo, particularmente importante para atendimento dos requisitos legais e técnicos do monitoramento ambiental do País. “Poucas empresas no mundo conseguiram montar uma constelação virtual com esta capacidade. Esses satélites representam o que há de mais moderno atualmente”, destacou o presidente da Visiona.

Bonini ressaltou que tão importante quanto conseguir esses acordos para a composição da constelação virtual são os investimentos feitos na equipe brasileira. Para que as imagens recebidas tenham valor agregado precisam ser trabalhadas para que forneçam exatamente as informações que o cliente necessita. Isso depende de especialistas e a Visiona foi buscá-los, trazendo o que há de melhor em experiência, não só em termos de habilidade comercial, mas também para processamento e interpretação das imagens. A equipe será composta por engenheiros, geólogos e profissionais de outras especialidades aplicáveis na atividade, graduados nos níveis de mestrado e doutorado.

Em conjunto com a Bradar, empresa do grupo Embraer voltada ao sensoriamento remoto através de equipamentos de radar SAR aerotransportados, a Visiona passará a fornecer soluções hibridas empregando sensores embarcados em aviões e satélites, entregando serviços de alto valor agregado como mapas temáticos e de detecção de mudanças. Poderá, ainda ocorrer associações com outras empresas que já atuam no Brasil com objetivo de desenvolver novas soluções e promover a adoção de tecnologias de sensoriamento de modo a fomentar o surgimento de programas de satélites nacionais.

Amazônia SAR e o CBERS

Entre os projetos que a empresa tem condições de abraçar fi gura o Amazônia SAR, que envolverá satélites dotados de sensores radar tipo SAR, mais eficiente para o monitoramento daquela região com constante presença de nuvens, e reduzem o desempenho dos sensores ópticos. Esse tipo de sensor pode não só ver o que há abaixo dessas formações atmosféricas, mas o que a vegetação esconde abaixo da copa das árvores, por exemplo. Um ponto de destaque do Projeto Amazônia SAR é a possibilidade futura de um satélite nacional empregando tecnologias já desenvolvidas no Brasil e contanto com parcerias internacionais. O emprego da constelação de satélites já existente é imediata, enquanto o desenvolvimento de um satélite brasileiro deverá levar em torno de quatro anos.

Com relação aos satélites de sensoriamento remoto sino-brasileiros da família CBERS, a Visiona poderá complementar os serviços que prestam para as instituições que se servem das imagens coletadas por esses satélites. Os CBERS são satélites dotados de sensores ópticos de baixa resolução e a complementação se daria também com imagens fornecidas pelos satélites radares da constelação virtual contratada pela Visiona durante períodos nos quais as áreas de interesse estiverem “opticamente inacessíveis”, Além disso, considera-se também a periodicidade das passagens do CBERS pelos mesmos pontos da superfície terrestre (26 dias para o CBERS-4 completar um ciclo) em comparação com os curtos ciclos de revisita disponibilizados pelo sistema de satélites empregado pela Visiona.

Em termos de integração, a empresa trabalha no sistema do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), que vai atender às necessidades de comunicação via satélite do Governo Federal, incluindo o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) e um amplo espectro de comunicações estratégicas de defesa. Ela tem também meta de atuar como integradora de satélites no âmbito do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE/AEB) e do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE/FAB).

Expectativas

Segundo informou Bonini, no Brasil existem muitas carências em torno do desenvolvimento da soberania em relação ao espaço. Essa forma de começar a trabalhar, ou seja, fornecendo imagens e oferecendo a parte de sensoriamento, é uma primeira aproximação com os clientes brasileiros que poderiam, mais tarde, através de vários demandantes e ministérios que utilizam imagens coletadas por satélites, trabalharem em sinergia no âmbito de projetos de satélites nacionais, tanto ópticos quanto dotados de sensor-radar. “Sabemos hoje que a demanda da área de defesa por um satélite de observação com uma câmera de 1 metro de resolução é muito importante”, disse. Ele ponderou que se esse investimento é grande demais, pode ser dividido, por exemplo, entre os Ministérios da Defesa, do Meio Ambiente, da Agricultura, e outros, sendo que essa cooperação entre instituições oficiais que demandam essas imagens, incluindo compartilhamento de investimentos, iria resultar em benefícios coletivos decorrente da aplicação dessa tecnologia por meio de satélites nacionais, criando a oportunidade de elevar o Brasil para outros níveis no desenvolvimento de satélites e exploração do espaço.

Em síntese, a Visiona trabalha com perspectivas de longo prazo. Neste primeiro momento, conta com um banco de imagens coletadas por cada constelação dos seus parceiros internacionais, e estão sendo armazenadas independentemente se serão usadas ou não. Há também um banco de imagens gerados pela Bradar. A Visiona esta preparada para editoração desses acervos para atender potenciais clientes. O que interessa nessas imagens é o histórico nelas contidos, ou seja, a possibilidade de, por comparação com as atuais, acompanhar a evolução de desmatamentos. A empresa dispõe de ferramentas para a obtenção e arquivamento de imagens e seu processamento, acrescentando o valor das interpretações dos especialistas.

Os planos são para ir mais longe atingindo a capacidade de obter imagens diretamente das constelações, agilizando o processo e permitindo o seu controle pela Visiona, o que vai requerer infraestrutura incluindo antenas de múltiplo espectro cuja integração careceria de investimentos da ordem de R$ 15 a 20 milhões. Numa etapa mais avançada, o ideal seria integração de satélites nacionais no sistema, podendo, juntamente com organismos estatais, os quais teriam a propriedade dos mesmos, explorar a geração de imagens para um leque total de atendimento.


Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 143, janeiro de 2016.
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Subvenção para o setor espacial: detalhes do edital

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INPE, Fapesp e Finep apresentam detalhes de edital de subvenção para o setor de aplicações espaciais

Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2016

Os conceitos, propósitos, metodologia e processos de avaliação dos projetos submetidos à chamada “PIPE/PAPPE Subvenção para o Desenvolvimento de Tecnologias e Produtos para Aplicações Espaciais”foram apresentados a empresários e profissionais do setor, no dia 3 de fevereiro, durante reunião na sede do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos (SP). As regras do edital foram detalhadas por Lúcio Angnes, coordenador da Fapesp.

A programação incluiu também apresentação do analista da área de Produtos Financeiros Descentralizados da Finep, Renato Cislaghi, sobre o programa Inovacred, destinado a financiar empresas para aplicação no desenvolvimento de novos produtos, processos ou serviços, bem como no aprimoramento dos já existentes, inovação em marketing ou inovação organizacional, no ambiente produtivo ou social. As apresentações foram precedidas de breve explicação do Dr. Milton Chagas, do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) do INPE, sobre os desafios tecnológicos e o método de trabalho da chamada PIPE/PAPPE.

O evento, que teve a participação de 80 convidados, teve como objetivo facilitar o acesso dos interessados ao edital, esclarecer dúvidas e oferecer aos candidatos melhores condições para apresentar propostas bem estruturadas e com todas as informações necessárias para uma tramitação ágil.

Os principais temas do PIPE/PAPPE Subvenção são: instrumentos embarcados da missão EQUARS; eletrônica e óptica espacial; propulsão; transponder digital e antena; suprimento de energia; integração de sistemas; controle de atitude e órbita.

Os recursos alocados para financiamento são da ordem de R$ 25 milhões, sendo 50% com recursos da Finep e 50% com recursos da FAPESP. Essa Fase 3 do Programa PIPE visa ao desenvolvimento industrial e à comercialização pioneira. O apoio tem duração de 24 meses e o valor máximo previsto por projeto é de até R$ 1,5 milhão. O investimento não é reembolsável.

Como resultado, a Fapesp e a Finep esperam proporcionar às empresas participantes: a criação de novas tecnologias e novos conhecimentos com aplicações e objetivos práticos; contribuição para formar recursos humanos qualificados na área do projeto; possibilidade de assegurar ao produto viabilidade técnica para produção em escala; melhorias na qualidade do produto; garantia de adequação do produto a normas, certificações técnicas e comprovações de desempenho.

Podem participar da chamada as microempresas, empresas de pequeno porte, pequenas e médias empresas, sediadas no Estado de São Paulo que: tenha objeto social que contemple atividade compatível com a que será desempenhada no projeto; tenha sede no Estado de São Paulo e realize a pesquisa no Estado de São Paulo; garanta o oferecimento de condições adequadas ao desenvolvimento comercial e industrial dos produtos; demonstre contrapartida economicamente mensurável em itens de despesa relacionados com a execução de atividades de P&D, os quais devem ser descritos no projeto. O Pesquisador Responsável deverá dedicar um mínimo de 30 horas semanais à execução da pesquisa.

As empresas deverão demonstrar contrapartida economicamente mensurável em itens de despesa relacionados com a execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento, os quais devem ser descritos no projeto. As propostas submetidas serão enquadradas e deverão seguir as normas do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).

O prazo de execução do projeto deverá ser de até 24 meses. O prazo para entrega da proposta termina em 4 de abril de 2016. A seleção pública está disponível em: www.fapesp.br/9961

No encerramento do evento, o diretor do INPE, Leonel Perondi, apresentou um panorama histórico do programa espacial brasileiro, traçando um paralelo com o desenvolvimento da indústria aeronáutica nacional. Ele defendeu a consolidação de uma política de Estado na área espacial, como forma de garantir a manutenção e a continuidade dos investimentos no setor, impulsionando assim o efetivo desenvolvimento das empresas e profissionais ligados às aplicações espaciais.

O programa

O Programa PIPE/PAPPE Subvenção visa apoiar, por meio da concessão de recursos de subvenção econômica (não reembolsáveis) do MCTI/FINEP/FNDCT e de recursos orçamentários da Fapesp, o desenvolvimento por empresas paulistas de produtos, processos e serviços inovadores, visando ao fortalecimento, à qualificação e manufatura avançada das cadeias produtivas da indústria aeroespacial e de defesa do Estado de São Paulo.

Em 2014 foram desembolsados R$ 23,4 milhões em financiamento nessa modalidade, 51% a mais do que em 2013. Desde a criação do PIPE, em 1997, 1.421projetos foram apoiados em 120 cidades do Estado, que resultaram na criação de milhares de empregos e no aumento das atividades econômicas nesses municípios. Em 2015 foram contratados 75 projetos no PIPE.

No segundo ciclo, de 2015, foram recomendados mais 44 projetos para aprovação, que foram anunciados em outubro de 2015.

Apresentação de Milton Chagas

Apresentação de Lúcio Angnes

Apresentação de Renato Cislaghi

Fonte: INPE
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"Luxemburgo entra na “corrida do ouro” espacial", artigo de José Monserrat Filho

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Luxemburgo entra na “corrida do ouro” espacial

José Monserrat Filho *

“A Esperança não murcha, ela não cansa...” Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta brasileiro¹

Luxemburgo, ou Grão-Ducado do Luxemburgo, criado em 1815 pelo Congresso de Viena, que reuniu as grandes potências europeias da época, é um pequeno Estado soberano, situado entre a Alemanha, Bélgica e França, com cerca de 550 mil habitantes e área de 2.586 km² – duas vezes a do município do Rio de Janeiro. Línguas oficiais: alemão, francês e luxemburguês, mas o inglês, claro, é decisivo. Um grão-duque é o chefe de Estado e um primeiro ministro eleito pelo Parlamento chefia o Governo. É o único grão-ducado que existe, país desenvolvido, com um dos maiores PIB per capita do mundo: cerca de 80 mil dólares americanos. Produz ferro, aço, equipamentos de telecomunicações e informática, borracha e produtos químicos, além de outros. E tem uma bem estabelecida indústria de satélites.²

Agora, Luxemburgo torna-se o primeiro país  a seguir o exemplo dos Estados Unidos, criando uma lei nacional para minerar asteroides, ou seja, para aplicá-la longe da própria jurisdição, num meio que não lhe pertence e onde não pode exercer sua soberania. Em 3 de fevereiro, o governo luxemburguês anunciou: o país assume posição pioneira (na Europa) “no negócio potencialmente lucrativo” de extrair em corpos celestes metais preciosos – como ouro, platina e tungstênio – e trazê-los para vender aqui no mercado terrestre.³

Para isso, como parte da iniciativa , criará um marco jurídico para fundamentar a exploração de recursos “além da atmosfera da Terra”. Os minerais serão extraídos de “Objetos Próximos da Terra” (Near Earth Objects – NEO), como os asteroides. O marco jurídico deverá “garantir que os operadores privados que lidam com o espaço possam estar seguros de seus direitos sobre os recursos que extraírem, isto é, os minerais raros de asteroides”. Ao mesmo tempo, o  governo luxemburguês assegura que “o marco jurídico será elaborado levando em plena consideração o direito internacional” e declara estar “ansioso para se envolver com outros países, nesta matéria, num quadro multilateral.”4

Será que o direito privado nacional de extrair minerais de asteroides se coaduna com o direito internacional? Juristas de renome5 – como Ram Jakhu, do Instituto de Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, e Gbenga Oduntan, especialista em direito internacional comercial e professor da Universidade de Kent, Reino Unido – têm sérias dúvidas a respeito. Eles analisam a questão à luz do Tratado do Espaço6, de 1967, o código maior das atividades espaciais, ratificado por 103 países - inclusive todas as potências espaciais – e considerado costume para os demais países, que nunca lhe manifestaram qualquer restrição.

Pelo tratado (art. 1º), a exploração e o uso do espaço e dos corpos celestes (inclusive os asteroides) “devem ter em mira o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade”. É a chamada “cláusula do bem comum”. A expressão “incumbência de toda a humanidade” fica assim em importantes idiomas: “province of mankind”, em inglês; “l'apanage de l'humanité tout entière”, em francês; “incumben a toda la humanidad”, em espanhol; “dostaianie vsevo tchelatchesteva”, em russo – literalmente, “bem público de toda a humanidade”. Daí que, também pelo Tratado (art. 2º), o espaço e os corpos celestes não podem ser “objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”.

“Nosso objetivo é abrir acesso à riqueza dos recursos minerais previamente inexplorados de rochas sem vida que se lançam pelo espaço, sem danificar seu habitat natural”, disse Etienne Schneider (1971-)7, que ocupa quatro cargos no governo: de vice-primeiro ministro, ministro da Economia de Luxemburgo, ministro da Segurança Interna e ministro da Defesa. Por que chamar os asteroides de “rochas sem vida”? Acaso isso reduz seu peso como bem comum da humanidade? Como operar uma indústria extrativa num deles “sem danificar seu habitat natural”? Pago para ver.

“Apoiaremos o desenvolvimento econômico a longo prazo de novas e inovadoras atividades espaciais e as indústrias de satélites como setor chave de alta tecnologia para Luxemburgo”, acrescentou Etienne Schneider. Tudo bem, nada a opor, desde que as novas atividades e indústrias espaciais estejam comprometidas – de forma planejada e concreta, e não apenas em palavras – com “o bem e o interesse de todos os países”, conforme “a cláusula do bem comum”, juridicamente indispensável em qualquer programa espacial. A menos que se derrogue esse princípio, através de novo acordo das Nações Unidas que extinga e substitua o Tratado do Espaço. Não é exatamente assim que funciona o direito internacional contemporâneo, reconhecido por todos ou pela maioria esmagadora dos países?

O Acordo da Lua8 (art. 11, § 5) já propõe uma forma de promover o bem e o interesse de todos os países na explotação dos recursos naturais da Lua e outros corpos celestes, que incluem os asteroides. É a criação de um regime internacional ou de uma autoridade internacional (como já se instituiu no caso das riquezas dos fundos marinhos), com a participação de todos os Estados e  grupos privados interessados, “para regular a explotação dos recursos naturais da Lua [que no acordo representa todos os demais corpos celestes], quando essa explotação estiver a ponto de tornar-se possível”.

Tal regime teria como objetivos: “a) Assegurar o aproveitamento ordenado e seguro dos recursos naturais da Lua; b) Assegurar a gestão racional destes recursos; c) Ampliar as oportunidades de uso destes recursos; e d) Promover a participação equitativa de todos os Estados Partes nos benefícios auferidos de tais recursos, tendo especial consideração para os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento, bem como para os esforços dos Estados que contribuíram, direta ou indiretamente, na exploração da Lua.” O regime internacional pode ser discutido e configurado de outra maneira. Mas o importante é manter o princípio de beneficiar toda a comunidade de países, bem como as empresas envolvidas. Caso contrário, a mineração espacial – cujos ganhos financeiros estão estimados em trilhões de dólares – favorecerá diretamente só as corporações privadas, ampliando ainda mais as já imensas desigualdades entre pessoas, países e empresas.

As empresas americanas Deep Space Industries9 e Planetary Resources10, que apostam pesadamente no que consideram “o futuro mercado de metais trazidos do espaço”, saudaram a iniciativa de Luxemburgo e até se apresentaram como “parceiros potenciais”. A NASA identificou cerca de 1.500 asteroides11 como facilmente acessíveis. Sondas minúsculas podem ser mobilizadas para procurar minérios de ferro, metais de terras raras e silicatos. Elas também podem localizar água, usualmente abundante nos asteroides, decompondo-a em oxigênio e hidrogênio, usados como combustível de satélites e foguetes. Para a Deep Space Industries, essa cadeia tem quatro etapas: prospecção, colheita, processamento e fabricação do produto. Sem falar na quinta etapa, a venda, essencial ao sucesso de qualquer empreendimento comercial.

“A humanidade está hoje às vésperas de se expandir pelo sistema solar e além. O uso dos recursos que lá encontrarmos será essencial, não apenas para nossa expansão pelo espaço, mas também para assegurar a prosperidade contínua aqui na Terra”, declarou Simon P. Worden¹², presidente da Fundação Prêmio Rompendo Fronteiras (Breakthrough Prize Foundation)13 As palavras de Worden parecem corretas. Os recursos naturais dos corpos celestes poderão ser, de fato,  essenciais à expansão das atividades espaciais e à prosperidade na Terra.

Mas, no caso, há uma pergunta que não vai calar tão cedo: expansão no espaço e prosperidade na Terra para quem, cara pálida?

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.

Referências

1) Primeiro verso do poema intitulado “Esperança”.
2) http://www.datosmacro.com/paises/luxemburgo.
3) http://www.cnbc.com/2016/02/03/luxembourgs-asteroid-mining-plan.html.
4) Luxembourg to launch framework to support the future use of space resources: http://www.gouvernement.lu/5653386.
5) U.S. Space Mining Law Is Potentially Dangerous And Illegal: How Asteroid Mining Act May Violate International Treaty, article by Katrina Pascual, Tech Times, 28 11 2015; http://www. techtimes.com/articles/111534/20151128/u-s-space-mining-law-is-potentially-dangerous-and-illegal-how-asteroid-mining-act-may-violate-international-treaty.htm.
6) www.sbda.org.br; ver seção de textos.
7) http://www.gouvernement.lu/5653386.
8) www.sbda.org.br>. Ver seção de textos.
9) https://deepspaceindustries.com/.
10) http://www.planetaryresources.com/#home-intro>.
11) http://www.galeriadometeorito.com/2015/03/asteroide-proximo-da-terra-27-marco. html#.VriEhz_C1z0
12) http://www.gouvernement.lu/5653386.
13) https://breakthroughprize.org/.
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domingo, 7 de fevereiro de 2016

Proposta de "hosted payload" meteorológica para o Brasil

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Em julho de 2011, abordamos no blog o tema "hosted payloads" no segmento de comunicações militares (clique aqui), ainda hoje adotado pelo Ministério da Defesa para atender o Sistema de Comunicações Militares por Satélite (SISCOMIS), em parceria com a Star One, do grupo Embratel. Numa explicação bastante sucinta, o conceito envolve a colocação de cargas úteis de interesse embarcadas em satélites comerciais, com a possibilidade de acesso exclusivo às informações pelo cliente, cabendo ao operador comercial as funções de telemetria e controle da plataforma.

Apesar de mais comum, fato é que o conceito em si não serve apenas para comunicações, podendo atender também outras áreas, como meteorologia. E há empresas atentas a oportunidades nesse sentido, envolvendo inclusive o Brasil. No início do mês, esteve na sede da Agência Espacial Brasileira (AEB), em Brasília (DF), um representante da companhia SES, para apresentar uma proposta de "hosted payload" meteorológica para o Brasil.

Grande parte dos sensores meteorológicos espaciais está instalada em satélites posicionados em órbita geoestacionária, que se mantêm fixos sobre um mesmo ponto em relação à superfície terrestre, tipo de órbita também bastante comum para comunicações.

Com sede em Luxemburgo, a SES é uma das maiores operadoras mundiais de satélites de telecomunicações, operando uma frota de mais de cinquenta satélites geoestacionários que cobrem 99% da população mundial. É natural, portanto, que à medida que planeje a substituição de satélites de sua frota que cobrem a região, a empresa europeia, ciente das necessidades e interesses brasileiros, ofereça a oportunidade de uma "hosted payload" meteorológica.

A propósito, sobre os planos nacionais, ainda embrionários, para um satélite (ou sensor) meteorológico, recomendamos a leitura do artigo "Satélite meteorológico: um próximo passo", publicado pela revista Tecnologia & Defesa em meados de 2014, mas que ainda possui informações atuais. Vale também citar que meteorologia é um dos segmentos previstos no Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), do Ministério da Defesa.
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

"Presente de Aniversário para a Agência Espacial Brasileira", artigo de José Monserrat Filho

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Presente de Aniversário para a Agência Espacial Brasileira

José Monserrat Filho *

“Tenham coragem. Não tenham medo de sonhar coisas grandes.” Papa Francisco

A AEB completa 22 anos de existência agora no dia 10 de fevereiro. Qual seria o melhor presente para festejar a data? É o que tento sugerir aqui.

A certidão de nascimento da AEB é a Lei nº 8.854, de 10 de fevereiro de 1994, sancionada pelo então Presidente Itamar Franco depois de aprovada pelo Congresso Nacional. Essa lei continua em plena vigência, ainda que com algumas atualizações.

Seu art. 1º anuncia algo histórico: “Fica criada, com natureza civil, a Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia federal vinculada à Presidência da República, com a finalidade de promover o desenvolvimento das atividades espaciais de interesse nacional.” E mais: o art. 2º dota a AEB de “autonomia administrativa e financeira, com patrimônio e quadro de pessoal próprios”.

Vale enfatizar: a AEB é órgão civil, não militar. Era o que pleiteavam entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a opinião pública em geral, após a democratização do país, em 1985. A AEB veio substituir – com nove anos de atraso, diga-se – a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), criada em 1971 pelo regime militar para assessorar o Presidente da República. O Estado-Maior das Forças Armadas desempenhava papel central na COBAE.

A AEB tem ampla competência, que começa pelo dever de executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) e propor sua atualização, bem como de elaborar e atualizar os Programas Nacionais de Atividades Espaciais (PNAE). O PNAE atual refere-se ao período 2012-2021. Ao todo, conforme o art. 3º da Lei nº 8.854, são 14 mandatos da AEB. Apenas para dar uma ideia deles, eis aqui os oito mais importantes:

“I – executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), bem como propor as diretrizes e a implementação das ações dela decorrentes;
II – propor a atualização da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais e as diretrizes para a sua consecução;
III – elaborar e atualizar os Programas Nacionais de Atividades Espaciais (PNAE) e as respectivas propostas orçamentárias;
IV – promover o relacionamento com instituições congêneres no País e no exterior;
V – analisar propostas e firmar acordos e convênios internacionais, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Ciência e Tecnologia, objetivando a cooperação no campo das atividades espaciais, e acompanhar a sua execução;
VI – emitir pareceres relativos a questões ligadas às atividades espaciais que sejam objeto de análise e discussão nos foros internacionais e neles fazer-se representar, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Ciência e Tecnologia;
VII – incentivar a participação de universidades e outras instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento nas atividades de interesse da área espacial;
VIII – estimular a participação da iniciativa privada nas atividades espaciais;...”

Não é pouca coisa. São mandatos de alta relevância para o desenvolvimento espacial do país. Ainda mais que os benefícios do espaço são hoje essenciais à vida normal de todos os países.

Não se pode confundir a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) com o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). A PNDAE foi instituída pelo Decreto n.º 1.332, também firmado pelo Presidente Itamar Franco em 8 de dezembro de 1994, nove meses após a fundação da AEB. Elaborada pela própria AEB, a PNDAE estabelece objetivos e diretrizes para os programas e projetos da área espacial e tem no PNAE seu principal instrumento de planejamento e programação para períodos de dez anos. Ela  nasceu, certamente, como parte do esforço do governo brasileiro para demonstrar aos países mais desenvolvidos que o programa espacial brasileiro era civil. O Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (Missile Technology Control Regime – MTCR), instituído em 1987, liderado pelos Estados Unidos e outras potências, bloqueou em 1988 a construção do VLS (Veículo Lançador de Satélites), parte essencial da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), anunciada em 1980. Acusação: o VLS seria na realidade um míssil de longa distância. Em resposta, o Brasil aderiu ao MTCR em 1995, um ano após a fundação da AEB e a aprovação do PNDAE, deixando claro que seu programa espacial era pacífico, e que o VLS não tinha pretensões a ser míssil.

O PNAE é elaborado pela AEB e aprovado pelo seu Conselho Superior. Composto por representantes de todos os ministérios ligados às atividades espaciais, nomeados pelo Presidente da República, o Conselho Superior da AEB tem extrema importância jurídica e operacional. Suas deliberações são fundamentais para a execução da PNDAE e do próprio PNAE.

“As atividades espaciais brasileiras serão organizadas sob forma sistêmica, estabelecida pelo Poder Executivo”, determina o art. 4º da Lei que criou a AEB. Ou seja, as instituições que realizam atividades espaciais devem funcionar de modo a constituir um sistema coerente, entrosado e cooperativo, ainda que cada uma delas mantenha sua autonomia.

Daí surgiu o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE), cerca de dois anos depois da AEB e da PNDAE, para “organizar a execução das atividades destinadas ao desenvolvimento espacial de interesse nacional”. O SINDAE tem base no Decreto nº 1.953, de 10 de julho de 1996, firmado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Embora haja dúvidas, críticas e certo ceticismo quanto à funcionalidade do SINDAE, esse decreto nunca foi debatido ou revisto e continua em vigor. Conformar-se ironicamente com “uma lei que não pegou” não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, estabelecido no art. 1º da Constituição Brasileira.

“O SINDAE é constituído por um órgão central, responsável por sua coordenação geral, por órgãos setoriais, responsáveis pela coordenação setorial e execução das ações contidas no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e por órgãos e entidades participantes, responsáveis pela execução de ações específicas do PNAE”, reza o art. 2º do Decreto nº 1.953.

O órgão central do SINDAE é a AEB e os órgãos setoriais são o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI); o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e seu Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), e os Centros de Lançamento de Barrera do Inferno (CLBI) e de Alcântara (CLA), todos vinculados ao Comando da Aeronáutica, do Ministério de Defesa (MD). Também são membros do sistema as universidades e as empresas da indústria espacial. O funcionamento do SINDAE é regulado por resolução normativa aprovada pelo Conselho Superior da AEB.

Cerca de 20 anos depois, em 2 de outubro de 2015, os então Ministros da Defesa, Jaques Wagner, e da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, criaram o “Grupo de Trabalho Interministerial para o Setor Espacial (GTI - Setor Espacial)”, pela Portaria Interministerial nº 2.151. Esse GTI tem por fim “assessorar, em caráter temporário, o Ministro de Estado da Defesa e o Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação nos trabalhos relativos ao aprimoramento do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), a fim de organizar e dinamizar as atividades espaciais no Brasil como um Programa de Estado”.

O GTI - Setor Espacial também tem ampla competência:

“I - propor revisão do modelo de governança para as atividades espaciais no Brasil;
II - propor a revisão da legislação, no que couber, com vistas a:
a) formalizar um Programa de Estado para as atividades espaciais no Brasil;
b) propor um regime diferenciado de contratação de pessoal especializado do setor espacial; e c) propor um regime diferenciado para aquisição de bens, serviços, obras e informações com aplicação direta nos projetos e instalações do setor espacial;
III - apresentar proposta de revisão do PNAE para o decênio 2016-2025, harmonizando as diversas iniciativas espaciais em curso;
IV - propor um Projeto Mobilizador, para o período de cinco anos, visando fomentar o desenvolvimento da indústria nacional, quanto aos seus componentes basilares: satélite, lançador e infraestrutura de lançamento e operação;
V - identificar as necessidades e propor um plano de recomposição, readequação e ampliação dos quadros de pessoal especializado do setor espacial, no Comando da Aeronáutica e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e
VI - propor um plano de valorização e divulgação das atividades espaciais no Brasil.”

O GTI é composto por membros titulares e suplentes indicados pelo MD e MTCI, e sua coordenação está a cargo do Comando da Aeronáutica do MD, como reza a Portaria, acrescentando que os relatórios e estudos produzidos pelo GTI Espacial devem ser encaminhados ao MD pelo Comando da Aeronáutica, e ao MTCI pelo INPE. E mais: o GTI pode convidar representantes de outros órgãos ou entidades, públicas ou privadas, para participar de suas reuniões e opinar nas suas proposições, sem, contudo, gerar a obrigação de acatar as sugestões por eles emanadas.

Em momento algum a Portaria menciona a AEB, que, aliás, tomou ciência do GTI apenas pelo noticiário. Em termos legais, vale lembrar: uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República tem muito mais peso do que uma Portaria Interministerial. Essa não pode, de modo algum, ignorar ou desconhecer aquela. Há uma hierarquia clara e imperativa entre os instrumentos jurídicos. Trata-se de um princípio elementar do direito.

Todos os Ministros de Estado têm o direito de recorrer a portarias interministeriais, se e  quando julgarem isso necessário, inclusive para criar grupos de trabalho conjuntos. O que não tem amparo legal é criar uma portaria interministerial que se coloque acima de uma lei federal em pleno vigor. Ainda mais quando a intenção manifesta é alcançar um nobre e elevado objetivo nacional: a criação de uma Política Espacial de Estado, antigo sonho da comunidade espacial brasileira.

Eis, então, a minha sugestão de presente de aniversário para comemorar os 22 anos da AEB: reconhecer a vigência da Lei nº 8.854, acatar o papel legal e legítimo da AEB, como ativa participante de qualquer plano de revisão da política e do programa nacional de atividades espaciais, e, como consequência natural, substituir a referida Portaria Interministerial MD-MCTI.

A alternativa disso seria ainda mais dolorosa: anular a Lei nº 8.854 e as que vieram a seguir (PNDAE e SINDAE), nela calcadas. Mas não é precisamente isso o que, na prática, parece estar acontecendo, bem diante dos nossos olhos e do nosso senso de justiça?

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
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