sexta-feira, 4 de outubro de 2013

"Ideias brasileiras para um espaço mais útil a todo o mundo"

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Ideias brasileiras para um espaço mais útil a todo o mundo

José Monserrat Filho *

Ao falar, como convidado especial, numa sessão plenária do 64º Congresso Internacional de Astronáutica, realizado em Beijing, China, de 23 a 27 de setembro passado, o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Braga Coelho, propôs a criação de um sistema universal de satélites para a observação da Terra (sensoriamento remoto), constituído por grande número de países, destinado a prestar serviços essenciais à comunidade internacional como um todo.

Seria uma constelação de satélites aberta à utilização global, com custos e gestão compartilhados entre todos os países participantes. O mutirão espacial daria origem a um mecanismo sem precedentes de cooperação em escala planetária, proporcionando benefícios inestimáveis a toda a humanidade.

A proposta foi apresentada na plenária que discutiu o tema “Desenvolvimento e Perspectivas das Atividades Espaciais na China”, na qual o presidente da AEB figurou como único representante de uma agência espacial de outro país, o que caracterizou uma deferência especial ao Brasil.

A ideia de um sistema universal de satélites está em perfeita sintonia com o Art. 1º, § 1º, do Tratado do Espaço, de 1967, considerado a carta magna e o código maior das atividades espaciais, que estabelece: “A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade.”

O texto em inglês emprega a expressão “province of all mankind” (“província de toda a humanidade”), em lugar de “incumbência de toda a humanidade”. Província parece claramente como o termo mais apropriado no caso, pois significa território de toda a humanidade, ou seja, área comum de todos os povos, de todos os países.

Mas, o mais prestigioso para nós, brasileiros, é que esse princípio fundamental – que passou para a história como “a cláusula do bem comum”, estava inicialmente inscrito no preâmbulo do Tratado do Espaço. Foram exatamente os representantes do Brasil que sugeriram transformá-lo no § 1º do Art. 1º, o que lhe garantiu a posição de primeiro princípio básico do direito das atividades espaciais.

O Brasil também esteve profundamente engajado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992. E deixou sua marca na Declaração do Rio, cujo Princípio 7 não deixa dúvidas sobre o conceito de cooperação que defendemos, inclusive para as atividades espaciais: “Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.

Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.” Esse princípio também se aplica hoje ao grave desafio do lixo espacial que só faz crescer e afeta a todos os países, tenham eles ou não programas espaciais.

Outra importante ideia brasileira é a política de distribuição gratuita de dados e imagens de satélites, adotada em 2004, que estimulou o surgimento de um mercado interno invejável e já beneficiou várias nações latino-americanas e africanas, com perspectivas de levar tais benefícios para um número ainda maior de países.

Esse exemplo se projetou, igualmente, com a iniciativa brasileira aprovada, em 2008, pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês), que veio enfatizar a necessidade imprescindível de um programa global de cooperação destinado a equipar todos os países do mundo – ou pelo menos a maioria absoluta deles – com infraestrutura e pessoal técnico especializado para receber, processar, analisar, e utilizar, o mais amplamente possível, dados e imagens de satélites nos programas nacionais de desenvolvimento sustentável. Imagine-se a amplitude dos ganhos sociais, econômicos e culturais que um programa dessa natureza traria para o mundo inteiro.

Como se vê, a proposta de um sistema universal de satélites de observação da Terra, de mil e uma utilidades e vantagens, é parte de uma sequência de projetos efetivamente comprometidos com “o uso do espaço para o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico” e, consequentemente, com “a província de toda a humanidade”.

* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da AEB, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial e membro pleno da Academia Internacional de Astronáutica.
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