quinta-feira, 26 de março de 2015

“O PESE não é exclusivo da Aeronáutica”, entrevista com brig. Carlos de Aquino, CCISE

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“O PESE não é exclusivo da Aeronáutica”

Na sua edição nº 136, Tecnologia & Defesa, seguindo a sua linha de oferecer sempre que possível aos seus leitores reportagens com temas exclusivos, abordou, pela primeira vez na imprensa, o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), lançado em 2012 sob as égides da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE). Constituída pelo Comando da Aeronáutica em fevereiro de 2012, a Comissão atua na linha de frente para concretizar os projetos do PESE. Para saber mais sobre os propósitos do Programa, seu momento atual e perspectivas, T&D entrevistou para este suplemento especial o presidente da CCISE, major-brigadeiro Carlos Vuyk de Aquino. Piloto com mais de três mil horas de voo em diferentes modelos, o major-brigadeiro Aquino tem MBA em administração de empresas e gerenciamento de projetos e, além de presidir a Comissão, desde abril de 2007 é também presidente da Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Espaço Aéreo (CISCEA).

Tecnologia & Defesa - Inicialmente, o senhor poderia discorrer brevemente sobre a origem e os principais objetivos da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE) e do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE)?

Major-Brigadeiro Carlos Vuyk de Aquino - A CCISE foi criada pelo comandante da Aeronáutica em 29 de fevereiro de 2012 para coordenar os trabalhos de definição e de implantação de sistemas espaciais à luz das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END), incluindo seus elementos orbitais e a relativa infraestrutura de apoio, tanto dos componentes de uso exclusivo do Ministério da Defesa quanto daqueles de uso compartilhado com outros órgãos públicos e/ou privados. Os trabalhos ocorrem sob supervisão do Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER) e em coordenação com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), com os Estados-Maiores da Armada (EMA) e do Exército (EME).

No cumprimento de suas atribuições, a CCISE coordenou a concepção do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), realizada em conjunto “O PESE não é exclusivo da Aeronáutica” com o Ministério da Defesa, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. O programa é composto por ações e projetos necessários para alcançar, ao longo dos próximos anos, os objetivos estabelecidos na END referentes ao setor espacial.

O PESE abrangerá projetos de implantação de sistemas espaciais, incluindo sua infraestrutura de controle e de operação, para diversas finalidades de interesse do Estado. Esses sistemas serão de uso compartilhado (militar e civil) e contribuirão para a execução do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) nas áreas de interesse definidas na END, priorizando as necessidades das Forças Armadas e complementando as capacidades que não são atendidas pelo PNAE.

O PESE também tem por objetivo mobilizar a Base Industrial Brasileira (BID), as entidades de pesquisa, a área acadêmica, os órgãos de fomento e de financiamento do governo, assim como a sociedade em geral mediante uma demanda sustentável e frequente.

É importante enfatizar que o PESE não é um programa exclusivo da Aeronáutica e vai atender às necessidades das três Forças Armadas, bem como de toda a sociedade civil brasileira. O controle e o emprego dos meios espaciais serão realizados em conjunto pelas Forças e parceiros.

T&D - O ano de 2014 começou com grande expectativa para a o PESE, que contava com recursos orçamentários significativos. Porém, a expectativa acabou frustrada em razão do corte de praticamente toda a destinação. Quais são as expectativas para 2015 e para os próximos anos, inclusive em termos de contratação da indústria?

Maj Brig Aquino - Atendendo a processualística orçamentária do Governo Federal, foram feitas as coordenações necessárias pela CCISE, junto ao Comando da Aeronáutica e ao Ministério da Defesa, para que fosse criada uma ação específica no Orçamento da União para os primeiros nove anos da implantação do PESE. Como é de conhecimento, a conjuntura econômica dita a priorização dos recursos disponíveis para o Ministério da Defesa frente aos contratos e compromissos já assumidos, o que nos impôs limites para os recursos previstos para 2015, nos obrigando a fazer ajustes nos planejamentos para os sistemas de sensoriamento remoto das Forças Armadas, esta denominada “Carponis”. Porém, o programa é estratégico para o País e este replanejamento, que ora se faz necessário, fará com que os processos sejam revisados temporalmente.

Quanto a participação industrial brasileira, ela é condição indispensável no PESE. Um dos problemas já diagnosticado sobre o setor espacial brasileiro é o longo intervalo entre os contratos com a indústria nacional, dificultando a manutenção da mão de obra altamente qualificada dentro das empresas. A proposta do PESE prioriza os satélites menores e mais baratos justamente para criar uma demanda distribuída e suficiente para a manutenção da base industrial. Para isso, a participação da empresa integradora brasileira, capaz de organizar e incluir a cadeia de fornecedores locais, e adquirir a tecnologia ainda não presente no Brasil, é essencial.

T&D - O projeto mais conhecido do PESE envolve o desenvolvimento de uma constelação de satélites para diferentes aplicações, o chamado sistema Áquila. O senhor poderia detalhar as características deste sistema?

Mj Brig Aquino - O PESE deverá suprir a demanda urgente de canais de comunicação, por meio de satélites brasileiros, para todos os sistemas operados pelos Comandos Militares e para o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). Na área de defesa e segurança, o emprego dos sistemas espaciais propostos contribuirá para a redução dos custos dos sistemas de monitoramento de ilícitos, por meio de um incremento na eficiência da vigilância de fronteiras e ações de polícia.

Os contratos com a indústria nacional produzirão estímulos à economia em função da tecnologia adquirida e ampliação da mão de obra especializada, que poderão contribuir para outros setores econômicos. O compartilhamento dos satélites de telecomunicações proporcionará suporte ao Plano Nacional de Banda Larga para as regiões de difícil acesso por redes de fibra óptica ou por torres de micro-ondas.

O incremento da disponibilidade de imagens de alta resolução e o refinamento das informações de posição e navegação, proporcionados pelos produtos gerados pelo PESE, fomentarão a Agricultura de Precisão (AP) que, por sua vez, permitirá um aumento da produção nacional e da rentabilidade desse setor. Essas imagens também servirão de insumo importante para os esforços de redução dos impactos de desastres naturais, por meio do aumento da eficiência no monitoramento de áreas de risco, no planejamento e nas respostas a esses eventos.

Outra contribuição importante da disponibilidade e da precisão das imagens será o aumento da eficiência no monitoramento ambiental, possibilitando a redução da taxa de desmatamento da Amazônia por meio de uma ação de supervisão e fiscalização mais eficiente.

T&D - É sabido que a CCISE tem mantido contato com potenciais parceiros internacionais para a implantação do PESE, como a França, Israel e Estados Unidos, entre outros. O senhor poderia falar um pouco a respeito?

Mj Brig Aquino - O Brasil já possui acordos de cooperação incluindo a área espacial com diversos países. No caso dos mais desenvolvidos, há um grande interesse desses em participar das iniciativas brasileiras, mas o estabelecimento de uma parceria equilibrada é dificultado pela defasagem tecnológica brasileira e por já possuírem programas de satélites em andamento com características distintas das consideradas para o PESE. Assim como o Brasil, os representantes militares de nossos parceiros tentam promover e expandir os mercados de suas indústrias, mas, em todas as ocasiões em que a CCISE participou de grupos de trabalhos conjuntos, deixamos clara a nossa posição de que apenas as parcerias com participação efetiva da indústria brasileira serão consideradas.

O estabelecimento de uma parceria internacional para os projetos do PESE é bem vinda porque permitirá dividir os custos e riscos do desenvolvimento e implantação de sistemas espaciais aproveitando o fato de que os satélites proporcionam uma cobertura global que pode ser aproveitada por parceiros fora da área de interesse do Brasil.

T&D - Qual é a interação da CCISE com o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), contratado pela Visiona Tecnologia Espacial no final de 2013, e como este se insere no PESE?

Mj Brig Aquino – Formalmente, a CCISE participa do SGDC por meio de um acordo de cooperação, assinado em 2014, onde a CCISE apoia a Telebras nas atividades de implantação da infraestrutura de operação desse satélite. O plano original da Defesa em possuir três satélites geoestacionários de comunicações está capturado no PESE ao incluir os dois seguintes, com previsão de lançamentos espaçados em cinco anos. Com vida útil projetada para 15 a 16 anos, esse intervalo de tempo entre os satélites proporciona a recorrência ideal para a implantação e manutenção das comunicações estratégicas por satélite. O processo interministerial para a aprovação do SGDC é anterior à criação da CCISE e, por isso, a Comissão não faz parte da sua governança e o PESE considera o SGDC apenas na sua operação pelo Centro de Operações Espaciais. Para tanto, Defesa e Telebras uniram-se para construir o centro principal e o seu reserva em áreas militares da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente. Além desses dois, a Telebras também conta com o apoio da Aeronáutica e do Exército para hospedar as estações de monitoramento e retransmissão de dados “gateways” da banda Ka, que será utilizada para o Plano Nacional de Banda Larga. Como há interesse por parte da Telebras nesses outros dois satélites, é provável que a parceria seja estendida a eles também.

T&D - Sobre o SGDC, aliás, há certa expectativa quanto à formalização de contrapartidas tecnológicas, os chamados offsets, no âmbito da contratação da construção do satélite, em benefício da indústria espacial brasileira. A CCISE tem participado dessas discussões?

Mj Brig Aquino - Durante as fases de definição de requisitos de “offsets” e durante as negociações do contrato, a CCISE contribuiu diretamente ao colocar suas necessidades tecnológicas voltadas para os satélites de sensoriamento remoto óptico e radar. O objetivo é trazer para o Brasil tecnologias mais avançadas que permitirão uma participação mais efetiva das indústrias espaciais locais nos projetos do PESE.

T&D - Na Europa e nos Estados Unidos, não é incomum a estruturação de parcerias público-privadas (PPP) nos setores espacial e de defesa para diferir e mesmo reduzir os investimentos necessários para o desenvolvimento e aquisição de capacidades, sempre expressivos nesses setores. A CCISE tem considerado meios alternativos como as PPP para a viabilização de segmentos do PESE?

Mj Brig Aquino - Em primeiro lugar, as capacidades espaciais almejadas pela Defesa envolvem a implantação de recursos com cobertura global que geralmente podem ser aproveitados para outras finalidades. A participação de empresas na implantação e na operação desses sistemas traz o benefício imediato de melhor aproveitar a disponibilidade dos satélites e reduzir os custos para a Defesa. Por outro lado, a legislação brasileira proporciona a segurança orçamentária de longo prazo para as PPP e isso é importante para um programa como o PESE, em que a regularidade das demandas é o alicerce da sustentação da indústria nacional. Além disso, a concessão para a empresa explorar comercialmente os produtos e serviços dos sistemas espaciais desonera a Defesa da responsabilidade de gerenciar e atender às demandas de uma base de consumidores civis que foge à missão das Forças.

A exploração dos produtos e serviços é a parte mais fácil dessa equação. É no financiamento por parte do parceiro privado para a implantação dos sistemas espaciais que reside o maior desafio para o estabelecimento de uma PPP. O que precisamos agora é demonstrar a viabilidade econômica do programa visando encontrar estes parceiros. Então, objetivamente falando, a CCISE vem promovendo a discussão sobre esse assunto em seus contatos com representantes do Governo e da indústria em busca de candidatos para uma PPP.

T&D - Ainda em relação a meios alternativos, é também comum a contratação de serviços de satélites, em especial para comunicações e observação terrestre, sendo que as Forças Armadas brasileiras são importantes usuárias para atender suas necessidades. A CCISE tem considerado soluções baseadas em serviços para atender os propósitos do PESE?

Mj Brig Aquino - Essa contratação de serviços não faz parte do escopo do PESE porque ela não atende a questão da soberania nacional sobre os meios espaciais exigida pela END. Por esse motivo, a CCISE não tem planos para isso até esse momento. Entretanto, diversas iniciativas das Forças Armadas possuem demandas para o uso de satélites e elas não deixarão de ser atendidas simplesmente porque os produtos do PESE ainda não estão implantados. Para isso, a contratação de serviços é um caminho possível, tanto que o Ministério da Defesa possui diversos contratos para o uso de comunicações por satélites de provedores nacionais e internacionais. O acesso a imagens de alta resolução geradas por satélites também ocorre dessa forma e as aquisições estão centralizadas no EMCFA.

No futuro, quando o Centro de Operações Espaciais estiver implantado, é possível que a gestão desses contratos seja centralizada nesse órgão.

T&D - O PESE foi revisto para a inclusão de veículos lançadores, iniciativa não prevista originariamente no programa. Qual é o envolvimento da CCISE com os projetos brasileiros de veículos lançadores, tocados pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA)?

Mj Brig Aquino - Para a CCISE é muito importante que o Brasil disponha logo de veículos lançadores de baixo custo para atender não somente ao que preconiza a END, mas para impulsionar a estratégia baseada no emprego de frotas de micro-satélites. Até o momento, o desenvolvimento desses lançadores é quase que totalmente financiado pelos recursos do PNAE e eles não têm sido suficientes. A inclusão dos lançadores no PESE tem o objetivo de complementar os investimentos nos lançadores e acelerar o desenvolvimento para que eles possam ser usados para os satélites do PESE o mais cedo possível.

T&D - O uso da tecnologia de cubesats tem se popularizado nas atividades espaciais com relativo sucesso, inclusive no Brasil, em razão principalmente de seu reduzido custo para construção e lançamento de cargas úteis. A CCISE tem avaliado esta tecnologia para o atendimento de algumas de suas demandas?

Mj Brig Aquino - O PESE considera que a evolução tecnológica permitirá o emprego operacional desses nano satélites. A CCISE tem interesse nesses projetos e tinha planos de investir diretamente nas iniciativas do ITA para o ITASAT caso o seu orçamento tivesse sido mantido. Por enquanto, entendemos que essas plataformas terão aplicação imediata para testar e qualificar pequenos subsistemas para satélites maiores. No futuro, esperamos poder empregá-los para comunicações e navegação.

T&D - Existem algumas áreas de contato entre o PESE e o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), este último sob a coordenação da Agência Espacial Brasileira (AEB). Como exemplos, temos as missões de satélites radar e meteorológicos. Há alguma discussão visando a um alinhamento entre os dois programas, de forma a evitar duplicidade de capacidades?

Mj Brig Aquino - O PESE complementa o Programa Nacional de Atividades Espaciais ao fornecer satélites com capacidade adequada para apoiar as missões das Forças Armadas e viabilizar melhorias concretas na vida da população, como o Plano Nacional de Banda Larga, citado anteriormente.

Não há intenção de duplicar aquilo que já está planejado para o PNAE. Os novos satélites que serão adquiridos pelo PESE terão características técnicas e operacionais mais adequadas para as necessidades das Forças Armadas. Por exemplo, imagens de alta resolução com intervalo de tempo mais curto entre as suas coletas são importantes para a condução de operações militares e não estão contempladas no PNAE.

Entrevista publicada na edição especial de Tecnologia & Defesa sobre atividades espaciais, em fevereiro de 2015.
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